Tuesday, May 27, 2008

O esquecimento faz parte da memória



É uma frase estupenda, esta a da historiadora Irene Pimentel, retirada de uma peça do Público: "O esquecimento faz parte do próprio trabalho da memória"

Irene Pimentel dedica Prémio Pessoa aos que lutam pela preservação de lugares de memória

Irene Pimentel, investigadora de História Contemporânea e que ontem recebeu o Prémio Pessoa 2007, entende que existem "nos mais velhos um excesso de memória, visível na obsessão com que alguns temas recalcados tomam uma dimensão considerável" e, "nos mais jovens, uma míngua de memória, inevitável com o surgimento de gerações totalmente estranhas à vivência da ditadura". "No entanto - continuou -, contra a sensação de que a memória desse período não chega aos jovens, tem de se dizer que o esquecimento faz parte do próprio trabalho da memória".
A historiadora referia-se especificamente à memória sobre o período do Estado Novo, um dos temas centrais do seu trabalho e do discurso que proferiu ontem, ao princípio da noite, na cerimónia de entrega do prémio, realizada no Museu Militar, em Lisboa, e presidida pelo Presidente da República.
Autora do primeiro estudo completo sobre a polícia política (História da PIDE, edição da Temas e Debates), Irene Pimentel, de 58 anos, reforçou a ideia de que contra a insuficiência ou o excesso de memória deve "erguer-se o trabalho da História", enquanto conhecimento que permite ao investigador "libertar-se do passado, através de duplo trabalho de recordação e de luto".
(sem "link" - copiado manualmente)

Sunday, May 25, 2008

O jovem Donald Rumsfeld, a história e Portugal



Uma das coisas curiosas para quem "mexe" nos baús da história é encontrar políticos famosos em início de carreira. Mas nem por isso com problemas de "défice" de poder. Que o diga Donald Rumsfeld, ex-secretário da Defesa. Antes de ser "despedido" por Bush Jr., por causa do Iraque, Rumsfeld foi chefe de gabinete de Gerald Ford e depois nomeado para secretário da Defesa. A escolha de Frank Carlucci para embaixador norte-americano em Lisboa terá tido influência activa de Rumsfeld, com quem depois o diplomata mantinha contactos durante os meses quentes que esteve em Portugal. E que terão servido para "influenciar" a administração norte-americana (ou seja Ford) sem passar pelo "pessimista" Henry Kissinger, o todo-poderoso secretário de Estado.
(A1110-28A. President Ford and Chief of Staff Donald Rumsfeld in the Oval Office. September 29, 1974. Ford Library)

Uma foto com história



Encontrei, finalmente, uma imagem de arquivo (foto da AP, disponível na Ford Library, das conversações, em Moscovo, de Ford e Kissinger com Leonid Brejnev, a 21 de Janeiro de 1976. Aquelas em que o líder soviético disse que não conhecia Álvaro Cunhal... E que levou Cunhal a chamar "mentiroso" a Brejnev.

Friday, May 23, 2008

Uma capa, mil palavras


Uma imagem (uma capa da Time) que diz tudo do clima psicológico em torno da revolução dos cravos. Até pela cor.
Apetece escrever: "Say you wanna a Revolution? Starring Otelo, Vasco Gonçalves and Costa Gomes"

E os americanos “vigiam” Cunhal

São dezenas de telegramas: sempre que Cunhal dá uma entrevista, seja em França, Brasil, Checoslováquia, havia uma embaixada ou consulado norte-americano a fazer um telegrama.
Um mês antes do 11 de Março, tentativa “putchista” de Spínola e seus apoiantes, Cunhal alertava para os riscos de golpe num país em que “rumores de golpe” andavam de boca em boca, de manchete em manchete.
Veja-se este telegrama, do embaixador norte-americano em Lisboa Frank Carlucci, sobre uma entrevista do líder comunista à revista brasileiro “Veja”: Cunhal, segundo Carlucci, falava em risco de golpe da direita, e de guerra civil, para tentar “arrefecer” os rumores de que o PCP estaria a preparar a tomada do poder.
(Ler o telegrama na íntegra aqui)

CONFIDENTIAL
PAGE 01 LISBON 00880 141927Z
20
ACTION EUR-12
INFO OCT-01 AF-06 ARA-06 ISO-00 CIAE-00 DODE-00 PM-03 H-01
INR-07 L-02 NSAE-00 NSC-05 PA-01 PRS-01 SP-02 SS-15
USIA-06 ACDA-05 SAJ-01 /074 W
--------------------- 039717
R 141635Z FEB 75
FM AMEMBASSY LISBON
TO SECSTATE WASHDC 1755
INFO AMEMBASSY BONN
AMEMBASSY BRASILIA
AMEMBASSY LONDON
AMCONSUL LOURENCO MARQUES
AMCONSUL LUANDA
AMEMBASSY MADRID
AMEMBASSY PARIS
AMCONSUL RIO DE JANEIRO
USMISSION NATO
DIA WASHDC
USCINCEUR VAIHINGEN GER
AMCONSUL OPORTO
AMCONSUL PONTA DELGADA
C O N F I D E N T I A L LISBON 880
EO 11652: GDS
TAGS: PINT, PO
SUBJ: ALVARO CUNHAL ON "LOCKED GATE" AND POSSIBILITY OF CIVIL WAR
1. SECRETARY GENERAL OF PORTUGUESE COMMUNIST PARTY (PCP)
ALVARO CUNHAL GRANTED INTERVIEW TO BRAZILIAN MAGAZINE "VEJA"
IN WHICH HE STATED THAT THERE WAS NOTHING EXTRAORDINARY ABOUT
NATO "LOCKED GATE" EXERCISE SINCE PORTUGAL IS MEMBR OF NATO.
CUNHAL WENT ON TO STATE THAT TIMING OF EXERCISE POORLY CHOSEN,
BUT IT NOT NECESSARY TO "DRAMATIZE" THAT FACT.
2. REGARDING POSSIBILITY OF CIVIL WAR IN PORTUGAL, CUNHAL
STATED THAT CIVIL WAR NOT LIKELY, BUT THAT IT COULD ARISE IF
CONFIDENTIAL

CONFIDENTIAL
PAGE 02 LISBON 00880 141927Z
"COUNTE-REVOLUTIONARY FORCES" MADE ARMED COUP ATTEMPT.
3. COMMENT: IT APPARENT THAT CUNHAL IS MAKING ATTEMPT IN
"VEJA" INTERVIEW TO COOL ALARMIST RUMORS CONNECTED WITH RECENT
ISSUES SUCH AS "LOCKED GATE" AND DRAFT LABOR LAW, ESPECIALLY
REGARDING PCP ATTEMPTS TO TAKE OVER GOVT.
STATEMENTS MADE IN "VEJA" SIMILAR TO PREVIOUS STATEMENTS MADE
BY CUNHAL ON THESE TOPICS.
CARLUCCI
CONFIDENTIAL
NNNN

Thursday, May 22, 2008

Cunhal contra "comezainas", pelos "petiscos"


Um “post” algo marginal ao tema central do blogue. Há dias, numa conversa com militantes comunistas, disseram-me que Álvaro Cunhal não tinha muito o hábito de ir almoçar ou jantar “fora”, essa prática tão portuguesa. Mas quando ia um dos locais preferidos era o “Santo António de Alfama”.

Leia-se o que diz Cunhal da comida em “Cinco Conversas com Álvaro Cunhal”, de Catarina Pires, Campo das Letras, 1999, citado por Miguel Carvalho em “Álvaro Cunhal – Íntimo e Pessoal”, Campos das Letras, 2006.

“Às vezes, zás, também gostava de comer uns petiscos em conjunto ou de um piquenique… Comezainas nunca apreciei”.

O livro e os Açores (i)


Gustavo Moura, ex-director do Açoriano Oriental e um dos personagens dos acontecimentos de Junho de 1975 em Ponta Delgada (foto retirada de paralelo37.blogspot.com), escreveu um artigo "Justiça e emoções não fazem bom casamento…" no Correio dos Açores sobre dois livros – Portugal Classificado e “Marechal Costa Gomes – No centro da Tempestade”, de Luís Nuno Rodrigues.

«Nas últimas semanas vieram a público vários livros sobre acontecimentos recentes da nossa vida colectiva, especialmente versando o Movimento de 25 de Abril de 1974 e alguns dos seus protagonistas. Trinta anos depois, muitos arquivos são abertos aos investigadores e documentos na época classificados como secretos ou confidenciais deixam de o ser, ficando ao dispor de historiadores e, em muitos casos, do público em geral. De entre os vários livros recentemente editados sobre estas matérias, dois chamaram a nossa atenção e vou os lendo, com particular interesse e muito cuidado, pois versam uma época e acontecimentos que vivemos intensamente e algum protagonismo. Falamos dos livros “Marechal Costa Gomes – No centro da Tempestade”, de Luís Nuno Rodrigues, e “Portugal Classificado – Documentos Secretos Norte-Americanos 1974-1975”, de Nuno Simas. Os dois trabalhos são amplamente documentados com extensas transcrições de textos oficiais, apontamentos de reuniões ao mais alto nível, telegramas, troca de notas e correspondência diplomática e, também, de observações pessoais de alguns dos intervenientes, retiradas dos seus diários e cartas particulares. Este conjunto de informações permite-nos compreender melhor as circunstâncias que condicionaram os acontecimentos políticos e sociais daquela época, clarificando atitudes que a emotividade da altura e o desconhecimento de todos os dados envolvidos conduziam a pressupostos nem sempre os mais correctos. Mais uma vez se prova que a História necessita de algum distanciamento e de investigação exaustiva das fontes disponíveis e credíveis, para que o juízo sobre acontecimentos e personalidades possa ser o mais justo. (...)


A autonomia é uma conquista política. As conquistas, mesmo as políticas, fazem-se com lutas e a política leva, por vezes, vezes demais, a tortuosos caminhos para atingir o objectivo desejado e nenhum dos seus protagonistas pode reclamar total pureza. E quando é o interesse colectivo que está em causa, as questões pessoais não podem ser determinantes. É sacrifício doloroso, sem dúvida. Mas um interesse superior, por visar o bem comum, assim o exige. »

Nota pessoal: Conheci Gustavo Moura quando era director do Açoriano Oriental e fui em reportagem aos Açores. Recebeu-me no seu gabinete, com algum formalismo, ou não fosse eu, na altura, repórter de um jornal “irmão” – o DN. Gustavo Moura foi um dos personagens dos acontecimentos de Junho de 1975, mas disso não falámos nessa altura, só anos depois quando nos cruzámos num jantar oficial. Sempre meticuloso e rigoroso.

Wednesday, May 21, 2008

Cunhal nos arquivos norte-americanos (i)


Este é um excerto de um telegrama enviado pelo Departamento de Estado (não citado no meu livro) em que o embaixador João Hall Themido, diploma português em Washington que resistiu ao 25 de Abril e ficou em funções, apesar da queda da ditadura. Ele foi uma “peça”, pela continuidade, na tentativa de acalmar o aliado americano face às mudanças de regime em Portugal. A 30 de Maio de 1974, Themido estivera em Lisboa e regressou a Washington com uma mensagem de amizade aos Estados Unidos, nessa altura ainda na fase de “wait and see”, mas já com os olhos postos em Álvaro Cunhal , líder do “único partido organizado”, como não se cansava de dizer Kissinger. Conciliador, João Hall Themido dizer que, até ao momento, fizera declarações muito “responsáveis”. Nos meses, anos seguintes o embaixador teve posições bem mais alarmadas sobre "os comunistas" em Portugal...
(Telegrama retirado dos National Archives)
Ver o telegrama na íntegra aqui


CONFIDENTIAL
PAGE 01 STATE 113385
63
ORIGIN EUR-25
INFO OCT-01 ISO-00 CIAE-00 DODE-00 PM-07 H-03 INR-10 L-03
NSAE-00 NSC-07 PA-04 RSC-01 PRS-01 SP-03 SS-20
USIA-15 IO-14 AF-10 SAM-01 EB-11 /136 R
DRAFTED BY EUR/IB:WPKELLY:MS
APPROVED BY EUR - WELLS STABLER
--------------------- 091061
P 301929Z MAY 74
FM SECSTATE WASHDC
TO AMEMBASSY LISBON PRIORITY
C O N F I D E N T I A L STATE 113385
E.O. 11652: GDS
TAGS: PFOR, PO, U-S.
SUBJECT: CONVERSATION WITH PORTUGUESE AMBASSADOR TO U.S.
1. AMBASSADOR THEMIDO (JUST RETURNED FROM CONSULTATION IN
LISBON) CALLED ON ACTING ASSISTANT SECRETARY STABLER LATE
AFTERNOON MAY 28 TO DELIVER LETTER FROM FOREIGN MINISTER
SOARES TO SECRETARY THANKING HIM FOR HIS MESSAGE AND TO
CONVEY--UNDER INSTRUCTIONS--SOARES' STRONGLY EXPRESSED
DESIRE FOR STRENGTHENED PORTUGUESE RELATIONS WITH U.S.
COPY OF LETTER BEING POUCHED FOR POST INFO. MAJOR
ELEMENTS OF CONVERSATION ARE SUMMARIZED BELOW.
(...)
5. STABLER ASKED HOW THE PROVISIONAL GOVERNMENT OPERATES
VIS-A-VIS THE JUNTA. THEMIDO REPLIED THAT THE PG
IMPLEMENTS THE PROGRAM DEFINED BY THE JUNTA AND THE ARMED
FORCES MOVEMENT BUT THAT THE JUNTA CONCERNS ITSELF
PRINCIPALLY WITH BROAD GUIDELINES FOR SOLVING THE MAJOR
ECONOMIC AND POLITICAL PROBLEMS OF THE COUNTRY, E.G.
LABOR DIFFICULTIES AND THE OVERSEAS TERRITORIES. THEMIDO
EXPLAINED WHY COMMUNISTS ARE INCLUDED IN THE PROVISIONAL
GOVERNMENT, VOLUNTEERED HIS PERSONAL OPINION THAT CUNHAL
HAS BEEN "RESPONSIBLE" THUS FAR IN THE STATEMENTS HE
HAS MADE, AND SAID THAT ELECTIONS WILL CLEARLY SHOW WHERE
PORTUGAL IS GOING POLITICALLY (WHICH THEMIDO SEEMED TO
THINK WAS TOWARD THE CENTER).

Duas semanas antes, a embaixada norte-americana em Lisboa apresentava, em cinco linhas, Cunhal, então nomeado ministro sem pasta no Governo Provisório, como um comunista, “duro” e “disciplinado”, actualmente líder do PCP, e que nos últimos 14 anos viveu em Praga.
Ver o telegrama na íntegra aqui


CONFIDENTIAL
PAGE 01 LISBON 01949 01 OF 02 161602Z
43
ACTION EUR-25
INFO OCT-01 AF-10 ARA-16 NEA-14 ISO-00 EURE-00 SSO-00
NSCE-00 USIE-00 INRE-00 CIAE-00 PM-07 H-03 INR-10
L-03 NSAE-00 NSC-07 PA-04 RSC-01 PRS-01 SP-03 SS-20
SAM-01 OMB-01 NIC-01 SAJ-01 SSC-01 DRC-01 /131 W
--------------------- 044774
O R 161500Z MAY 74
FM AMEMBASSY LISBON
TO SECSTATE WASHDC IMMEDIATE 9610
INFO Z/AMEMBASSY BRASILIA 152
AMEMBASSY CONAKRY
AMEMBASSY DAKAR
AMCONSUL LOURENCO MARQUES
AMCONSUL LUANDA
AMEMBASSY LUSAKA
AMEMBASSY MADRID
AMCONSUL OPORTO UNN
AMCONSUL PONTA DELGADA UNN
AMEMBASSY RABAT
AMEMBASSY PRETORIA
USCINCEUR
CINCLANT
DIA
COMUSFORAZ
USMISSION NATO
C O N F I D E N T I A L SECTION 1 OF 2 LISBON 1949
E.O. 11652: GDS
TAGS: PINT, PGOV, PO
SUBJ: PROVISIONAL GOVERNMENT NAMED

(…)
3. MINISTER WITHOUT PORTFOLIO ALVARO CUNHAL, 50, IS A TOUGH,
DISCIPLINED LIFE-LONG COMMUNIST PRESENTLY SERVING
AS PCP SECRETARY GENERAL. FOR PAST FOURTEEN YEARS
HE HAS LIVED IN PRAGUE. HE HAS SPENT TWELVE YEARS IN
PORTUGUESE PRISONS.

Sunday, May 18, 2008

O que Kissinger dizia de Portugal em 1975



Esta é a transcrição de uma conversa telefónica entre o secretário de Estado, Henry Kissinger, e o subsecretário de Estado para os Assuntos Europeus, Art Hartman, em 17 de Julho de 1975. Por essa altura, há muito tinha terminado a fase do "wait and see" e do cepticismo do homem forte do Departamento de Estado. Kissinger quer acção e está muito bem informado do que se passava nas ruas e nos corredores do poder. O objectivo de pôr o camarada Vasco na rua é claro e explícito! O texto foi publicado no DN e também está no livro. A fonte deste documento é o FOIA do Departamento de Estado.

Hartman Temos uma reunião do gabinete marcada para as 12:30. Quer reunir antes disso?
Kissinger OK, pode ser às 12:30. Mas, entretanto, podemos enviar uma mensagem a Carlucci [embaixador em Lisboa]: se ele quer trazer de Portugal um prémio de boas maneiras democráticas? E Costa Gomes compreende que se ele tomar a iniciativa nós apoiamos?

H Bom, ah...
K Sim ou não?
H Não sei dizer...
K Estamos a fazer alguma coisa quanto a esta crise ou estamos a pensar...no que fazer.
H Não, estamos a pensar dar o nosso apoio público.
K Mas o que estamos realmente a fazer?
H Não sei o que estamos a fazer. Ele [Carlucci] está a conversar com eles.
K Mas o que está ele a dizer?
H Ele diz que os elementos democráticos deveriam ser apoiados.
K Isso significa o quê?
H Significa apoiar Soares e o PPD, dar o poder aos oficiais moderados [do MFA] e pôr [o primeiro-ministro, Vasco] Gonçalves na rua. Mas ele [Carlucci] está a fazer as coisas calmamente com as pessoas com quem tem falado.
K E com quem tem ele falado?
H Ele teve uma conversa com [Melo] Antunes e com algumas pessoas do seu gabinete e...
K Para mim, Soares e o PPD são uma dor de cabeça. Eu quero que os moderados... vençam. (...)
K Espero que ele [Carlucci] esteja a fazer tudo ao seu alcance para Costa Gomes e [Melo] Antunes entenderem que nós os apoiamos no seu esforço para que ganhe o grupo dos moderados. (...)
H Há um perigo - é se eles devem livrar-se já de Gonçalves. A situação económica é muito má.
K Nós vamos ajudar.
H Sim, mas a situação é muito má e...
K Art... Se nos livrarmos de Gonçalves, eu depois resolvo esse problema.
H OK.
K Isso não me preocupa muito. Se nos livrarmos de Gonçalves e da sua equipa, deixe-me ser eu a preocupar-me com a situação económica. (...)
H Depois haverá cada vez menos ligações com os comunistas.
K É verdade. E se conseguirmos que os comunistas avancem, podemos esmagá-los.
H Bom, eles andam todos nas ruas.
K Quem? Os comunistas?
H Tanto os comunistas como os socialistas. [Otelo Saraiva de] Carvalho distanciou-se agora um pouco de [Vasco] Gonçalves. O que pode acabar por ser uma ajuda para os moderados. Mas eu acho que, a certa altura, ele vai querer poder.

E agora o comunicado conjunto

Este foi o comunicado conjunto publicado depois das conversações em Washington, a que chamo de "missão impossível" para o general Costa Gomes.

Joint Communique Following Discussions With President Francisco da Costa Gomes of Portugal.
October 18th, 1974
AT THE INVITATION of President Ford, His Excellency Francisco da Costa Gomes, President of the Republic of Portugal, visited Washington on October 18. President Costa Gomes, who was accompanied by the Foreign Minister, Dr. Mario Soares, had meetings with President Ford and with Secretary of State Kissinger and was the guest of honor at a luncheon given by Secretary Kissinger.
President Costa Gomes outlined the achievements of the Portuguese Government in light of recent events in restoring civil and political liberties to Portugal and in creating the basis for a return to democracy. He reported on the negotiations which had led to the independence of Guinea-Bissau and explained his government's plans for the granting of self-determination and independence to the remaining overseas territories. He reaffirmed his government's commitment to the North Atlantic Treaty and its desire to develop even closer ties to the United States.
President Ford expressed his admiration for the statesmanship shown by Portuguese leaders in undertaking to restore democracy to Portugal by holding free elections soon and in making possible the enjoyment of the right of self-determination and independence by the peoples of Portugal's overseas territories. He noted with pleasure President Costa Gomes' reaffirmation of Portugal's commitment to NATO and expressed his confidence that ties between the United States and Portugal will become ever closer.
The two Presidents agreed that, as these developments proceed, it would be in our mutual interest to intensify the cooperation between the two countries to embrace new activities in a broad range of areas, such as education, health, energy, agriculture, transportation and communications, among others. They agreed that this expansion of their cooperation could begin with technical talks in the fields of agriculture, public health, education and financial and economic matters, as requested by the Portuguese authorities.
They also agreed that the two countries should continue and intensify negotiations relating to cooperation in the Azores.


John Woolley and Gerhard Peters, The American Presidency Project. Santa Barbara, CA: University of California
The American Presidency Project (americanpresidency.org)

As relações atribuladas de Costa Gomes com os EUA


Um dos capítulos sobre Costa Gomes teve a sua inspiração neste artigo, publicado no DN a 1 de Agosto de 2005, numa série de artigos sobre o "Verão Quente". Esta foi resumidamente a conversa de Costa Gomes com Ford e Kissinger, que no livro surge mais desenvolvida e circinstanciada. No "post" seguinte, publico o cinzento comunicado conjunto emitido depois da reunião...

Costa Gomes quis sossegar os EUA

O general Costa Gomes foi, no Verão Quente de 1975, um aliado tácito dos Estados Unidos, apesar das desconfianças, tanto do embaixador norte-americano em Lisboa Frank Carlucci como do próprio secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, com quem o então Presidente se reuniu a 18 de Outubro de 1974. O memorando dessa conversa, na Sala Oval da Casa Branca, foi desclassificado este ano pela Gerald Ford Library, nos EUA, e revela como o general tentou convencer a administração norte-americana de que haveria poucos riscos da formação de um "governo predominantemente comunista" - tese que manteve durante anos a fio. E começou por apresentar-se como "admirador especial dos Estados Unidos", já que estivera colocado dois anos na base da NATO de Norfolk... Aproveitando para "clarificar" o que se passava então no País, o general explicou ao presidente Gerald Ford e a Henry Kissinger a "profunda e súbita" transformação de Portugal, que deixou de ser uma ditadura para "voltar a conquistar a liberdade". Garantindo o empenhamento "do Governo, das Forças Armadas" no estabelecimento de um regime "democrático, com liberdade para todos", a sua fidelidade aos compromissos internacionais e à NATO. A seguir, falou dos problemas do País. Da descolonização. Da crise económica, "um problema muito sério". "Se não for resolvido, pode levar à vitória da extrema-direita ou da extrema-esquerda", aler- tou Costa Gomes. E é depois que dá explicações sobre a influência dos comunistas em Portugal e no Governo. O encontro de Costa Gomes na Casa Branca, recorde-se, ocorreu depois do 28 de Setembro e da tentativa de "golpe" de Spínola, que renunciou ao cargo de Presidente da República com um discurso pessimista sobre o País. Na Sala Oval, o presidente tentou convencer Ford e Kissinger do "grande sentimento anticomunista dos portugueses". "A maior parte da população vive no Norte, onde a influência dos comunistas é nula", garantiu, descrente de eventuais hegemonias dos comunistas. O mesmo argumento, ironicamente, ouviu-o do líder soviético, Leonid Brejnev, na visita que fez, em 1975, a Moscovo, aconselhando-o a não "mudar de regime"... Gerald Ford interrompe, algumas vezes faz perguntas e diz que, para Washington, é importante que Portugal faça "reformas democráticas", a começar pelas eleições. Resposta do general "É muito importante para nós - um ponto de honra -- que as eleições vão para a frente." Antevendo, desde logo, que "os comunistas, nas urnas, não iriam ter a força que muitos receiam." [Nas eleições para a Constituinte tiveram 12,5% dos votos].A conversa com Gerald Ford estava quase no fim. Seguiu-se o famoso almoço em que Kissinger comparou Mário Soares a Kerensky. O diálogo entre o presidente português e Henry Kissinger foi tenso a propósito do papel dos militares na "revolução" portuguesa, como lembra Costa Gomes no livro "O Último Marechal". Apesar da tensão, os Estados Unidos da América consideravam o presidente um aliado, a quem confiavam, em exclusivo, o tratamento de assuntos sensíveis da NATO. A desconfiança era muita, a ponto de Gerald Ford, numa reunião do governo, a 4 de Junho de 1975, ter dito que os Estados Unidos receavam que Portugal quisesse continuar na Aliança Atlântica para "servir os interesses dos comunistas"...

Saturday, May 17, 2008

E agora no Contraditório, da Antena 1

Um obrigado à Ana Sá Lopes pela referência ao livro no Contraditório de sexta-feira, na Antena 1.


Foi numa sala como esta e com estes personagens à volta da mesa do gabinete de Gerald Ford ou do National Security Council, na Casa Branca, que se discutia a “revolução dos cravos” em Portugal, em 1974 e 1975.

Friday, May 16, 2008

Costa Gomes em Washington, em Outubro de 1974


Outro dos capítulos do livro - Costa Gomes- Missão a Washington de um aliado improvável" - aborda o encontro do general Costa Gomes, Presidente da República, em Outubro de 1974, com o presidente norte-americano, Gerald Ford e o secretário de Estado, Henry Kissinger. Mário Soares, líder do PS e ministro dos Negócios Estrangeiros, também esteve em Washington. Costa Gomes era presidente de um país que tinha como primeiro-ministro outro militar que, durante meses, foi uma verdadeira obsessão para os norte-americanos - o general Vasco Gonçalves. Um adversário que, curiosamente, o embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, Frank Carlucci, respeitava...

Um documento da Ford Library



Um exemplo de documento da Ford Library. No caso é um memorando de uma reunião do gabinete de Ford, na Casa Branca, a 4 de Junho de 1975, após uma visita do presidente norte-americano à Europa e uma cimeira da NATO, em Bruxelas, durante a qual se reuniu com o primeiro-ministro português, general Vasco Gonçalves.
Esta reunião de Ford, Kissinger com Vasco Gonçalves - cujo memorando não está "on-line" - serviu de base a um capítulo do livro: "Diálogo de surdos em Bruxelas – O frente-a-frente de Vasco Gonçalves com Ford e Kissinger".
De regresso a Washington, foi nesta reunião que Kissinger afirmou que o governo português poderia estar a fazer o jogo dos comunistas.

--------------------------------------------------------------------------------

DECLASSIFIED
E.O. 12958 Sec. 3.6
MR 95-83, #24, NSC ltr 6/25/96
By let, NARA, Date 1/16/97


--------------------------------------------------------------------------------

THE WHITE HOUSE
WASHINGTON


Notes of the Cabinet Meeting June 4th, 1975 - 2:00 p.m.

The President entered the Cabinet Room at 2:10 p.m.
The Press entered at 2:12 p.m.; departed at 2:15 p.m.

The President opened the meeting and thanked the members of the Cabinet and staff for the warm welcome. He indicated that a major vote had just taken place and that the Administration sustained the veto on the Jobs Bill by a vote of 277 to 145. He mentioned that one week to ten days ago, the Administration could not have sustained the veto. The message the President gave to the Republicans was that if Republicans could not hold the line on this one, it would open the flood gate. The President was generous in his praise for everyone, specifically naming (for their testimony) Weinberger, Morton, and Zarb; and for the Congressional effort, Jack Marsh and Max Friedersdorf. The President added that he believed this was a significant victory, a major victory, and perhaps the most important vote for the Administration since he has been President.

The President then began his discussion of foreign policy, indicating that he left with hopes and returned with no regrets. That in discussing that which had transpired in Europe on the return flight, the feeling was that they were very satisfied; it was a successful trip and they made all of the headway they had hoped to make. The President believed the meeting with NATO was important for several reasons: 1) To strengthen the Alliance, 2) To indicate his personal interest in and maintenance of European relationships; and 3) Also, to serve notice that the Alliance needs to recognize Spain as a part of NATO for the defense of Europe. The United States has an arrangement with Spain, which adds to the total defense of Europe.

Historically, the European Community has not welcomed Spain because of its dictatorship and support of the German Empire during World War II.

The President's discussion with the Prime Minister of Portugal was cordial. The United States was very firm and blunt in its discussion with him. The United States indicated to the Prime Minister that it sees many deficiencies in its present Government. In fact, the President asked him to de-

PAGE 2

scribe his system of Government and it took the Prime Minister some twenty minutes just to tell the President how his Government makes decisions. It was suggested that the system was a bit chaotic. The President indicated that he believed there could not be a double standard, one for Spain and one for Portugal, in the United States' relationship with the two countries. Therefore, it was important that the United States maintains an interest in, and be candid with Portugal.

In Spain the President's efforts concentrated on the military situation and the maintenance of the United States air bases there. It is important to Western Europe to have the Mediterranean area secure and United States bases in Spain add to that security. The President was warmly received in Spain and there were huge crowds on his motorcade route.

In Austria the President indicated he tumbled into Austria, but that he really felt that Betty had tripped him, then ran away and left him to get to his feet all by himself. He indicated that the meeting with Sadat was excellent and the personal rapport between the two leaders is very good. He did indicate to Sadat that the United States was continuing its reassessment of the Middle East and that the United States wants to explore all facts, options, and possibilities. The President feels there are three choices to be made: 1) Resume step-by step diplomacy, 2) Develop a comprehensive settlement, which would raise serious problems with final frontiers, and 3) Specific bilateral agreements within the parameters of the comprehensive plan. The President indicated to Sadat that all of those would be taken into consideration during the reassessment.

In Rome the President discussed the entire underside or belly of NATO, the Mediterranean area, Portugal, Turkey, Greece, Spain, and all of the problems related to that. He believes the Italians are making good progress on the economic front and while it is not decisive yet, there is a feeling that the Italians are doing a good job. The President said he was very impressed with the people he met in the Government, specifically citing Leone and Moro as being very sharp. He was cordially received and the discussions were very fruitful.

The President mentioned that he had a very impressive audience with the Pope. He had been told the Pope was very sick, however, he appeared to be well, giving the President a good handshake and speaking in a very strong voice. He covered a wide range of topics in a long meeting. He was impressed with the Pope and with the reception at the Vatican.

PAGE 3

The President in summing up his trip to Europe, said the total trip signifies the forward movement and momentum of American foreign policy. In spite of the problems with Vietnam and all of Southeast Asia, the United States will stand firmly by its Allies; it will maintain its commitments, and American foreign policy will be strong and bold in future years.

The President then asked Henry if he cared to make any comments.

Secretary Kissinger said that when the United States first proposed a NATO Meeting, the Allies were not enthusiastic about it. It came at a very difficult time for the United States and no one in NATO was particularly excited about having a meeting.

There was a discussion as to whether or not the United States should take new and creative measures, even some gimmickry in getting this group together. The final decision was made by the President, when he said he wanted to have a straight forward meeting with NATO with no ploy or gimmicks. Secretary Kissinger's belief was that the major point the President made at NATO is that the U. S. is back in business. The United States knew what it was doing, had a firm commitment, and showed clear direction in its discussion with other countries.

An example of the kind of impression left was best summed up by Prime Minister Trudeau of Canada. Trudeau told others at one of the closing sessions, that the meeting was so good and so beneficial, that it should be institutionalized. He indicated that NATO should cover the entire agenda of issues before world countries as opposed to just defense. Since Canada has been a rather reluctant partner in NATO from time to time, it is interesting that he should be so enthusiastic.

The Secretary noted that the framework was created at Brussels for a good discussion with regard to Turkey and Greece. The real cog seems to be who will put forth the first proposition, since it will then seem that party is making the concession. So the policy seems to be at a point where one country or the other will put forth a major proposal.

The Secretary said that the only political party in Portugal is the military. The others for all intents and purposes were dead. His basic question about Portugal is why do they stay in NATO, and there seems to be two answers: 1) Because the public is not ready to accept the fact that they might pull out, and 2) Perhaps they are staying in to serve the Communist purpose.

PAGE 4

The big problem in Spain, of course, is how influential can the United States be in keeping Spain from going like Portugal when Franco dies. Therefore, the President met with Franco, as well as Juan Carlos and Arias to be certain the United States was clearly identified with the transitional power and the succession of Franco. (...)


Cabinet Meeting Minutes, 6/4/75, Box 4, James E. Connor Files, Gerald R. Ford Library.

Tuesday, May 13, 2008

A opinião de Mário Soares no DN












Mário Soares é um dos personagens do meu livro, a par de Vasco Gonçalves, Costa Gomes, Henry Kissinger ou Frank Carlucci.
Num artigo publicado hoje no DN, Mário Soares faz uma referência ao meu livro. Assim:

"3.Dois livros importantes. No curto espaço de poucos meses, saíram, em Portugal, dois livros, extremamente interessantes, para o conhecimento da história contemporânea portuguesa após a Revolução dos Cravos: o que estava em jogo e as suas consequências possíveis. Ambos, com uma informação rigorosa, reflectindo as visões necessariamente opostas, soviética e americana, das duas superpotências rivais, nesse tempo, relativamente à Revolução portuguesa de 1974-1975. Curiosamente, a Revolução foi completamente inesperada - e constituiu mesmo uma surpresa - para ambas. Os livros editados por Temas e Debates e Alêtheia Editores têm por autores o russo Sergei Yastrzhembskiy, que esteve vários meses em Portugal, nesse período, e pelo jornalista português Nuno Simas, que teve acesso - e transcreve - aos documentos secretos americanos, agora desclassificados, desse período. Intitulam-se respectivamente: Mário Soares e a Democracia Portuguesa, Vistos da Rússia; e Portugal Classificado - Documentos Secretos Norte-Americanos (1974-1975).
Pelo seu rigor e novidade - e porque no fundo se completam, apesar de escritos de ângulos e perspectivas opostas - vale a pena lê-los, com atenção, para um melhor conhecimento do que foi a Revolução e o período conturbado do PREC, bem como do que esteve em jogo e dos riscos que então se correram...
"

Monday, May 12, 2008

Cunhal não gostou...

e chamou "mentiroso" a Brejnev. Mas essa é outra história.

Brejnev a Kissinger: “Nunca pus a vista em cima de Cunhal”…



A 21 de Janeiro de 1976, uma quarta-feira, o secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, encontra-se, no Kremlin, com o líder soviético, Leonid Brejnev. Das 11:00 da manhã às 13:50, conversaram à volta da mesa, com extensas delegações, de parte a parte. O diálogo chegou a ser tenso, especialmente sobre a situação em Angola e o apoio soviético à intervenção cubana em Angola e ao MPLA de Agostinho Neto, um tema que se atravessou nas conversações sobre o acordo de limitação de armas estratégicas (SALT).
Em Portugal, a “revolução” perdera força depois do 25 de Novembro. Dois meses após a independência, o MPLA já governava, sozinho, e Brejnev aumentara o apoio ao recém-fundada, a 11 de Novembro de 1975, República Popular de Angola, incluindo cedência de aviões de transporte para as forças cubanas, o que era considerado uma provocação em Washington. (1) É neste contexto que surge o desabafo de Leonid Brejnev a meio das conversações com Kissinger nessa manhã de 21 de Janeiro de 1976 sobre a situação portuguesa que entretanto acalmara após o 25 de Novembro de 1975.
Na conversa, Kissinger advertia Brejnev que seria “intolerável” um intervenção de uma país ocidental em África e que o apoio da União Soviética à intervenção cubana em Angola abria “um precedente” que os Estados Unidos tinha de analisar, podem originar uma “cadeia de reacções com potenciais resultados desastrosos”.

Leonid Brejnev: Está a falar, de alguma maneira, na ameaça de surgir uma guerra.
Henry Kissinger:. Não é uma ameaça de guerra, sr. secretário-geral. Mas se todos os países se comportarem assim, pode evoluir-se para uma situação muito perigosa.
Brejnev: Penso que temos de concentrar-nos primeiro na discussão do acordo SALT. Se continuarmos a falar de outros assuntos, não conseguimos nada.
Estava eu muito descansado quando de repente ouvimos falar dos acontecimentos em Portugal [o 25 de Abril], de que nada sabíamos. Depois, oiço dizer que [o presidente] Costa Gomes quer visitar a União Soviética. Recebi-o. Pode ler o comunicado conjunto. Prometemos-lhe comércio. E depois? Temos [acordos de] comércio com muitos países. E quanto ao líder do Partido Comunista – Álvaro Cunhal – nunca lhe pus a vista em cima em toda a minha vida.
Depois surge a situação em Angola, com a independência de Portugal. [Agostinho] Neto aproxima-se de Cuba (…), Cuba concorda ajudar [os angolanos]. Não há qualquer presença militar soviética em Angola.
(…)
Estamos aqui para discutir o acordo SALT? Ou Angola? (…) Nós não queremos nada de Angola. No entanto, o mundo inteiro lê na imprensa internacional que o Ocidente, a América, está a enviar armas e mercenários para Angola. O senhor dirige todas as atenções para aí. Eu nunca estive em Portugal; nós não somos responsáveis pelo que lá está a passar-se…” (2)


As referências a Portugal acabam aqui. Das palavras de Brejnev há algumas interpretações a tirar. A primeira, é que os soviéticos queriam tudo menos ser associados à experiência portuguesa, que poderia tornar-se num empecilho para a détente. E, sendo certo que não conhecia Cunhal, o facto é que as relações do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) com os partidos comunistas ocidentais estavam a cargo de Mikhail Suslov, ideólogo e membro do Politburo e velho conhecido de Cunhal desde os anos 50, após o reatamento das relações do PCP com Moscovo.
Já quanto à questão do acordo de comércio entre Portugal e a União Soviética, levantada pelo líder soviético, essa era uma preocupação dos diplomatas, como o embaixador norte-americano em Moscovo, Walter Stoessel. Face ao cenário de “vazio económico” em Portugal, não seria de “afastar essa hipótese de a União Soviética vir a prestar apoio económico a Portugal”, concluiu o diplomata norte-americano num telegrama para o Departamento de Estado, após um encontro, a 01 de Abril de 1975, com o embaixador português na capital soviética, Mário Neves. (3)

(1) BURR, William, “The Kissinger Transcripts – The Top-Secret Talks with Beijing and Moscow”, The New Press, New York, 1998.
(2) Memorandum of conversation, January 21, 1976, Brezhnev, Kissinger, “SALT, Angola”, State Department Freedom of Information Release (copy at National Security Archive)
(3) Telegram 04445, 01 Apr, 1975, American Embassy Moscow to Department of State, “Talk with Portuguese Ambassador to Moscow”, State Department, National Archives,

Uma história com Brejnev e Cunhal (I)

No post seguinte, vou colocar uma das "pequenas histórias" incluídas no livro.

Friday, May 09, 2008

O livro na rádio

A entrevista foi na RDP, a 05 de Maio, mas só hoje tenho o "link". Ouvir no "podcast" da Antena 1. Mas a estreia radiofónica do autor foi a 23 de Abril numa rádio da concorrência, a Rádio Clube, numa conversa que durou quase uma hora com o Alexandre Honrado, no programa "Estado do Dia" (pena não ter "podcast"...). Uma conversa que passou pela situação do PSD, uma análise ao estado do dia noticioso, e pelo livro, claro

A apresentação

A apresentação do livro foi no auditório da sede da Alêtheia, em Lisboa. A notícia é da Lusa, mas o “link” é do Diário Digital.

Thursday, May 08, 2008

O livro, a notícia no Parlamento Global e na SIC-N

O livro e a estória da história em video. Aqui, no Parlamento Global, projecto da SIC/RR/Expresso. Depois, foi exibido na SIC-Notícias.

Saturday, May 03, 2008

Os Açores e a independência

Post no blog mautemponojornal.

Antes morrer livres que em paz sujeitos

“Como reagiriam os europeus se os Açores se separassem de Portugal e declarassem a independência?”, pergunta Gerald Ford, presidente dos EUA, a Helmut Schmidt, chanceler da República Federal Alemã. Resposta: “A independência dos Açores não seria justificada aos olhos da Europa ocidental.” Contexto: início do Verão quente, Maio de 1975. O diálogo está reproduzido no capítulo “Açores, Lajes e independência” do livro Portugal Classificado: Documentos Secretos Norte Americanos 1974-1975, da autoria do jornalista Nuno Simas. As centenas de documentos divulgados pela CIA permitem traçar um retrato interessantíssimo sobre o processo “independentista” dos Açores. E desmontar alguns mitos insulares, como o de que os EUA apoiariam os golpistas açorianos na eventualidade do continente enveredar por caminhos totalitários. Ao que parece, havia o receio da administração americana que qualquer conotação com a Frente de Libertação dos Açores (FLA) enfurecesse a esquerda e extrema-esquerda portuguesa, o que poria em risco a manutenção da base das Lajes. Passados trinta anos, a organização “separatista” subsiste apenas no imaginário de meia-dúzia de românticos. Faltou-lhe um ícone para sobreviver, nunca com os objectivos de 1975, mas como ideologia utópica. E faltou, também, a recuperação histórica e literária da aventura (ensaiada por Daniel de Sá, no seu blogue). Este livro poderá ser o primeiro passo para que algum dia se escreva a verdadeira história da FLA.

O "post" de Pedro Barros Costa coloca uma questão interessante. Estariam os EUA mesmo interessados em dar apoio aos independentistas? Acredito que não. Estariam apenas interessados em dar oxigénio. A diferença? Não apoiar directamente, mas acompanhar e conhecer suficientemente a estrutura da FLA para o caso de dela necessitarem. Numa emergência.
É essa posição difusa, penso, que ainda hoje leva muita gente, em Lisboa e nos Açores, a ter olhares tão diferentes sobre este capítulo por escrever da nossa História recente. Ou a ilusão da promessa de apoio…
Em caso de guerra civil, utilizariam os EUA as pistolas e as caçadeiras da FLA e as espingardas do MDLP, de Spínola, e do ELP?… Essa é a grande dúvida, apesar de todos os documentos desclassificados. Mas em 1975, e para a estratégia do sr. Carlucci e de parte do Departamento de Estado, uma coisa parece certa: a FLA eram má companhia!!!

Thursday, May 01, 2008

A apresentação é na quinta-feira, às 18:30...


... no auditório da editora, a Alêtheia, em Lisboa.

O apresentador é o dr. Pacheco Pereira.

O convite, de Paulo Sousa, é simples e elegante, como se pode ver...

Câmara de Comuns e debate

No Camara de Comuns, Paulo Ferreira faz uma referência ao livro, que logo mereceu o comentário de um leitor, tric: "é o que se chama uma visão parcial!! para enquadrar melhor o contexto o dito jornaista deveria tambem mencionar as manobras secretas dos comunas de Moscovo , e assim talvez se percebesse melhor esse tempo..."

Paulo Ferreira respondeu, e bem: "Totalmente de acordo, o problema é que os serviços secretos americanos ainda vão desclassificando documentos desta indole, os serviços secretos da ex URSS, e não só o KGB, tem de certeza muita documentação a "sugerir" financiamento e formação a quadros de um determinado partido politico, mas ´dos muitos documentos que de lá sairam ´na fase pós perestroika, não me lembro de nada sobre Portugal.
Devem estar guardados juntamente com alguns documentos que, se calhar, até provam o envolvimento de empresas portuguesas na "circulação" de verbas para apoio de um partido e quiça até dum movimento terrorista....
Com todos os seus defeitos a democracia norte americana ainda tem alguns mecanismos de auto-vigilância e auto-controle que se não impedem muitos abusos, mais tarde ou mais cedo acabam por denunciá-los e expô-los.
Ao contrário , por exemlo, de "regimes" como o actual de Moscovo e mesmo de jovens democracias como a nossa."


Este é o meu comentário:
Paulo Ferreira respondeu bem a tric... Os arquivos da ex-URSS são virtualmente inacessíveis, a começar pela língua, o obstáculo que, ainda assim, deve ser o mais fácil de transpor. Contudo, com o tempo vários ex-responsáveis do PCP vão contando o seu lado da história, como Raimundo Narciso, por exemplo, sobre o 25 de Novembro. Mas a investigação vai continuando e - felizmente - não serei o único. Algum dia irão ser desclassificados documentos da CIA, e do Comité dos 40, por exemplo. Muita gente, testemunha e personagens da História, está viva e isso é um obstáculo à desclassificação de documentos, por exemplo. Uma das coisas curiosas em alguns documentos da CIA são os indícios de que estavam bem informados, pelo menos a partir de Moscovo, sobre as estratégias dos "comunas" em Portugal, para usar a terminologia de tric...