Sunday, June 20, 2010

Spínola: a conversa que deixou Nixon proecupado com Portugal

Foi um encontro entre dois presidentes caídos em desgraça. A expressão é do ex-embaixador de Portugal em Washington João Hall Themido. E “Inútil”, acrescenta o diplomata nas suas memórias sobre essa cimeira na base das Lajes, a 18 de Junho de 1974, a que não faltou um incidente, com um banquete que não chegou a acontecer.


Um era Richard Nixon. Vivia os dias do fim da sua Presidência, devastada pelo escândalo do Watergate. Outro, António de Spínola, estava há escassas seis semanas no poder num país à beira da revolução e em guerra mais ou menos surda com o Movimento das Forças Armadas (MFA) e Mário Soares por causa a descolonização, um dos três D prometidos pelos oficiais que derrubaram a ditadura de Salazar e Caetano a 25 de Abril.
O presidente da Junta de Salvação Nacional (JSN) apostou forte nesse breve encontro durante uma escala pelos Açores de Nixon e comitiva no regresso a Wasington, após uma visita ao Médio Oriente. Queria o apoio dos Estados Unidos ao seu modelo de descolonização a duas velocidades, bem diferente do que queriam Soares e os militares, cansados de 13 anos de guerra colonial. Em vão.
Nixon não quis comprometer-se. Numa fase em que a administração norte-americana ainda olhava a revolução portuguesa com expectativa, limitou-se a umas promessas mais ou menos genéricas de apoio.
Mas o frente-a-frente nessa manhã de 19 de Junho não foi tão inconsequente quanto isso. A verdade é que o conteúdo da conversa continua classificada nos arquivos norte-americanos – apesar de Spínola ter feito o seu relato no livro País sem Rumo. Passados 36 anos, das sete páginas do dossier sobre a cimeira apenas uma foi desclassificada. É um memorando de Brent Scowcroft. Mas, mesmo assim, há partes "apagadas".
Scowcroft, num memorando datado de 11 de Julho para Henry Kissinger, o todo-poderoso secretário de Estado, escrevia que em anexo apresentava o que julgava ser uma "pobre versão" da reunião entre os presidente norte-americano e português. A pedido de Spínola, o conselheiro de segurança lembrava que fora a dois, "dado que não confiava em ninguém que o acompanhava". O presidente da Junta fora aos Açores acompanhado pelo ministro Sá Carneiro.

"O Presidente [Nixon] ficou preocupado com o que Spínola lhe disse". Daí ter pedido que "apenas fosse enviado apenas a si, a [Alexander] Haig e a mim". Além disso, ordenou duas "acções", em dois pontos. A primeira não se sabe qual (foi "apagado"). A segunda é sobre os receios com "os comunistas" em Portugal e em África, para o qual o ex-comandante da Guiné alertou o presidente dos Estados Unidos. Daí que Nixon tenha pedido ao embaixador Tasca, que esteve colocado em Atenas e "aparentemente o Presidente considerava um especialista mundial em subversão" para fazer uma análise sobre "a actual ameaça da subversão comunista".

Numa frase: Richard Nixon foi sensível à versão da ameaça vermelha feita por Spínola. Não se podendo relacionar directamente, a verdade é que em Julho surgiram as primeiras declarações mais preocupadas de Kissinger sobre a revolução portuguesa. Quando disse, a 12 de Julho, que "Portugal está a ser a preocupação da América".

Afinal, desde Maio, do I Governo Provisório, que o país tinha dois ministros comunistas, o líder histórico do PCP Álvaro Cunhal e Avelino Gonçalves - uma "ameaça" que Washington não se cansou de combater nos meses seguintes até ao 25 de Novembro.
Mas nessa altura, apesar de a revolução dos Cravos estugar o passo e Spínola ainda era visto pelo velho aliado como um homem de confiança à frente do Governo, ao contrário do que aconteceu no Verão Quente de 1975, quando o velho general tinha caído em desgraça aos olhos de Washington. Provas de alguma confiança deu - pelo menos formalmente - o presidente norte-americana numa reunião, a 30 de Julho, poucos dias antes de resignar, com o secretário do Tesouro, Kenneth Rush, conselheiro do Presidente, e Brent Scowcroft. Uma ideia corroborada por Witney Schneidman, no seu livro Confronto em África: Washington e a Queda do Império Colonial Português. Os Estados Unidos ainda tinham o seu general de confiança...
"Spínola é bom... O problema é que os comunistas são as únicas forças organizadas em Portugal", comentou Nixon quando falava da situação política na Europa. Franco, em Espanha, estava a morrer. "E depois? Quem sabe?". Se a Espanha "cair" fora do controlo do Ocidente (e tiver um Governo “comunista”, entenda-se), depois é a Itália, antevia ele, lembrando a posição da Grécia e do Turquia no chamado Flanco Sul, onde os EUA até tinham bases militares que serviam a NATO.

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