Sunday, October 19, 2008

Incertezas do Xá da Pérsia na base das Lajes



De leitura obrigatória: o texto de Margarida Santos Lopes sobre as horas de incerteza do Xá da Pérsia e a mulher, em 1980, numa pista da base das Lajes, nos Açores, na edição de hoje da revista Pública.

A última imperatriz da Pérsia
Farah Diba Pahlavi: Os EUA retiveram o Xá nos Açores para o entregar a Khomeini

Há quase três décadas no exílio e Farah Diba Pahlavi, que este mês (dia 14) completou 70 anos de vida, ainda não consegue esquecer-se da noite de 23 de Março de 1980 quando um DC9 das Evergreen Air Lines em que viajava fez escala nos Açores. O avião aterrara, oficialmente, para reabastecimento, mas ficou retido várias horas na pista sem autorização para descolar. “Foi um momento de angústia”, conta a última imperatriz da Pérsia, numa rara entrevista por e-mail.
(…)
Dos Açores ao Cairo

O Xá e a Xabanu partiram para o Cairo, às 14h00 locais, no domingo 23 de Março. À noite, o DC9 das Evergreen Air Lines, usado para voos fretados, fez escala nas Lajes, nos Açores, para reabastecimento. Ao fim de uma hora de espera, Farah Diba começou a temer o pior: “Não seria uma tentativa de nos impedir de chegar ao Egipto? Estávamos numa base americana, num avião americano, portanto, tudo era possível.” Inquiridos os responsáveis, a explicação foi a de que o aparelho “precisava de autorização para sobrevoar determinados territórios”.

“Pedi que me deixassem usar um telefone para contactar um amigo em Paris”, recorda Farah Diba na entrevista à Pública. “Informei-o da nossa situação: que Sua Majestade sofria de febre alta, que estava muito frio no avião e que ele notificasse toda a gente se não mais o contactasse. Muitos anos depois, terá sido na década de 1990, encontrei um ministro português dos Negócios Estrangeiros, o senhor André Gonçalves Pereira. Disse-me que a Embaixada dos EUA [em Lisboa] havia sido questionada sobre a nossa retenção na pista, durante mais de quatro horas, e que a resposta foi ‘não podemos dizer-vos’ [mais adiante o ex-ministro dará a sua diferente versão]. No dia seguinte [a 24 de Março de 1980], o embaixador português em Washington fez a mesma pergunta ao Departamento de Estado e, mais uma vez, a resposta foi ‘não podemos dar-lhe nenhuma justificação’.”

Posteriormente, Farah Diba encontrou a explicação para a interminável escala. Quando estava prestes a depositar um pedido de extradição, um dos advogados enviados por Teerão ao Panamá pediu aos EUA que interceptassem o avião em que seguia o casal imperial, porque Saedegh Ghotbzadeh se declarara convicto de conseguir a libertação dos reféns americanos assim que fosse anunciada a detenção do monarca.

A decisão de bloquear o avião nas Lajes terá sido de Hamilton Jordan, chefe de gabinete da Casa Branca e confidente de Carter, embora este não tenha sido avisado. Como não chegava de Teerão qualquer notícia encorajadora, o aparelho foi autorizado a descolar, após quatro horas imobilizado. A 24 de Março, quando o pedido de extradição foi entregue, os Pahlavi chegavam ao Cairo.

Torrijos “não teria hesitado em colocar o Xá em residência vigiada”, convenceu-se Farah Diba. Mas chegaria isso para aplacar a ira dos iranianos? Seja como for, Mohammad Reza Pahlavi não viveria muito mais tempo para restaurar o seu reino. Morreu a 27 de Julho. Sadat, que o instalara no palácio Kubbeh, ofereceu-lhe um imponente funeral de Estado. O corpo jaz na Mesquita de El Rifai, onde Farah Diba vai todos os anos prestar homenagem.

Encontro no Algarve

“Sim fui eu”, confirma André Gonçalves Pereira à Pública. “Fiquei curioso com o que se passara em 1980 e, no ano seguinte, já ministro, procurei averiguar o que se tinha passado nas Lajes. O avião chegou à meia-noite e partiu às oito da manhã. Tenho a certeza de que não foram apenas quatro horas [como disse Farah Diba]. Era estranho. A paragem só deveria ser de meia hora. A tripulação do aparelho alegara falha técnica.” No entanto, confrontadas com um pedido oficial de esclarecimento, responsáveis americanos apenas retorquiram que “não sabiam”. Não podiam, acrescenta Gonçalves Perreira, ter respondido a um Estado soberano “não podemos dizer-vos”, como alega a imperatriz na entrevista.

O ex-chefe da diplomacia foi remexer nos diários onde vai “anotando umas coisas”, e lá estava registado o momento em que deu conta à Xabanu do seu interesse pelo episódio nos Açores. “Ela veio jantar a minha casa no Algarve, em Julho de 1996, e foi então que conversámos sobre este assunto.” A informação que ele tinha era a de que os americanos estavam a negociar com os iranianos, através da Argélia, a entrega do Xá aos mullahs, em troca da libertação dos seus reféns em Teerão. Supostamente, a exigência da República Islâmica era a de que o avião que transportava o soberano deveria deixá-lo na capital iraniana. Os EUA só aceitavam depositá-lo em Argel. E as negociações falharam.”

A versão que Farah Diba relata em Memórias identifica o Panamá e não a Argélia. O antigo ministro salienta: “Nestas coisas de diplomacia ultra-secreta nunca podemos ter certezas”, excepto a de que “não houve razões técnicas mas razões políticas” para o avião ficar retido, e a de que Washington “estava mesmo a negociar a extradição do Xá”.

“Farah Diba escreveu-me depois uma carta a agradecer. Ela é uma mulher muito inteligente e bem informada. Tem um porte imperial. Ainda mantemos contactos esporádicos. Lembro-me de um jantar em Paris. Pedi ao embaixador português que a convidasse.”

Sobre o que se passou nas Lajes, Gonçalves Pereira destaca “o contraste” no tratamento que o Xá teve por parte dos Estados Unidos e do Egipto. “A Administração Carter, que até era relativamente séria, estava disposta a entregar o Xá, que foi aliado fundamental dos Estados Unidos no Médio Oriente, enquanto o Presidente Sadat, numa atitude quase quixotesca, aceitou recebê-lo, ainda que ameaçadíssimo pelo fundamentalismo islâmico, que no ano seguinte viria a assassiná-lo. Era um homem notável.”


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