Só hoje me chegou o artigo em versão digital, da edição de Novembro de 2008, do "Le Monde Diplomatique".
Portugal Classificado – Documentos Secretos Norte-americanos, 1974-1975
Nuno Simas
Alêtheia Editores, Lisboa, 2008, 308 pp., € 18.
Nuno Simas analisa neste livro um conjunto de documentos classificados acerca de Portugal, incluindo os memorandos e os relatórios secretos elaborados pelo Departamento de Estado e pela CIA para o presidente dos Estados Unidos durante os dezanove meses da revolução portuguesa. Surpreendidos na madrugada de 25 de Abril de 1974, a CIA e o Departamento de Estado procuraram a todo o custo correr atrás dos acontecimentos e identificar a forma mais segura de os influenciar. Uma revolução estranha e inexplicável, inaceitável no contexto da divisão do mundo em dois blocos, deixou-os à beira de um ataque de nervos. O pragmatismo das considerações e reflexões da política externa norte-americana – que desde o primeiro momento encarou Portugal como um cenário de enfrentamento no contexto da Guerra Fria – parece desmentir a tese de uma ameaça totalitária pró-soviética sobre Portugal. Segundo a CIA (p.157), o PCUS (Partido Comunista da União Soviética) encarava com extrema preocupação as possíveis implicações negativas de uma evolução da política portuguesa nesse sentido, num período em que se negociava um desanuviamento das relações entre as duas superpotências. Brejnev consideraria mesmo que Portugal «pertencia ao lado ocidental» na grande divisão do tabuleiro mundial e que uma intervenção da OTAN seria aceitável do ponto de vista soviético (p.159).
Fica claro, no entanto, que a presença de comunistas no governo português, fosse em que modalidade fosse – incluindo a de uma coligação de esquerda com o Partido Socialista (PS), com quem mantinha um acordo de cooperação mútua assinado antes do 25 de Abril –, era considerada inaceitável pelos responsáveis civis e militares da política externa norte-americana. A 27 de Março de 1975, ainda antes das eleições para a Assembleia Constituinte, Kissinger encarava a necessidade de isolar Portugal no seio da OTAN e, se necessário, atacar militarmente o país (p.125). O secretário de Estado norte-americano entrou em pânico com a possível entrada de comunistas para governos de outros países do Sul da Europa, nomeadamente em Itália, uma das fronteiras cruciais da Guerra Fria. O risco do contágio da experiência portuguesa e a possível desagregação do sistema de contenção do poderio militar soviético no continente europeu – num momento delicado de negociações tendo em vista o desanuviamento – tornou Lisboa uma constante fonte de preocupações para Washington.
A necessidade de criar um cordão sanitário em torno do Partido Comunista Português (PCP) foi o eixo central da intervenção dos Estados Unidos na revolução portuguesa e uma das causas fundamentais da desconfiança nutrida por Kissinger relativamente aos socialistas e a Mário Soares. A sua presença no I Governo Provisório, ao lado de dois ministros do PCP, foi considerada preocupante e motivou mesmo as garantias de Spínola ao embaixador norte-americano Scott Nash, de que tanto o PS como o PCP estariam longe do poder um ano depois (p.29). Após o 28 de Setembro de 1974, o secretário de Estado dos Estados Unidos considerou a situação «muito perigosa», com os comunistas e socialistas a surgirem como as únicas forças políticas organizadas (p.224). A 18 de Outubro, num episódio que se tornou célebre, apelidou Soares de Kenrensky português e, já com Carlucci a operar em Portugal a partir de Janeiro de 1975, manteve relativamente ao secretário-geral do PS as maiores reservas. Só a influência do embaixador o levaria a considerar a viabilidade de um apoio à esquerda moderada para combater a influência do PCP sobre o Movimento das Forças Armadas (MFA) numa estratégia que teve como epicentro Soares, Costa Gomes e Melo Antunes.
Alguns dos mais importantes episódios, acontecimentos e posicionamentos envolvendo os principais protagonistas do PREC (Processo Revolucionário em Curso) ganham novos contornos à luz destes documentos, que fornecem pistas preciosas para uma compreensão mais rigorosa da intervenção norte-americana na política portuguesa durante os anos conturbados de 1974 e 1975. O livro de Nuno Simas pode ser, a esse nível, um valioso contributo, ainda que uma organização mais cronológica dos documentos talvez permitisse seguir com maior precisão as evoluções conjunturais e as deslocações mais subtis da estratégia dos Estados Unidos. O formato escolhido, mais jornalístico do que historiográfico, tem em todo o caso a vantagem de condensar nalguns blocos temáticos – as relações com Spínola e com Costa Gomes, as implicações da revolução portuguesa na OTAN, a acção de Carlucci ou a importância da base das Lajes – o fundamental da informação encontrada nos arquivos da Ford Library, abrindo, assim o esperamos, novas direcções para a investigação acerca do período revolucionário.
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