Em 1999, a revista norte-americana "Bulletin of Atomic Scientists" publicou um artigo notável de três especialistas em armamento nuclear com o título: “Where they Were”. Era o resultado de muitos anos de investigação e de espera pela desclassificação de documentos pelo Departamento de Defesa e que reconstituíam a história, desde a década de 50, sobre as bases onde estiveram depositadas armas nucleares dos Estados Unidos durante a longa Guerra Fria – com ou sem conhecimento dos países que as albergavam... Como o Japão. Algumas partes desse documento estavam “apagadas”, mas outros, divulgados antes, ajudavam a preencher as lacunas.
Alguém ligou para a redacção do DN a alertar para o artigo e para a possibilidade de mencionar a Base das Lajes e os Açores. O meu editor – o João Fernandes, o melhor editor que tive em quase 20 anos de profissão – pediu-me que fosse ver se “havia notícia”. Depois de uma busca no Altavista (ainda não havia Google), decobri o “site da “Bulletin” e os Açores não eram mencionados directamente. Por isso, a urgência de escrever a notícia passou. Mas curiosidade sobre a história ficou. E foi essa a espoleta deste livro.
Desde então, e durante semanas, liguei para a Bulletin, entrevistei os autores da investigação – Robert Norris, William Arkin, William Burr –, troquei faxes e e-mails com o Departamento de Defesa. Em Lisboa, passei a ser um frequentador assíduo, por dois ou três meses, do Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros – de manhã no arquivo, à tarde a fazer o meu trabalho diário na redacção do DN. Na sala de consulta do arquivo, virada ao sol, consultei dezenas de pastas poeirentas, muitas centenas de páginas, parte delas desinteressantes, reproduções de jornais estrangeiros, de Marrocos aos Estados Unidos, de Itália à Índia, do Brasil a Moscovo, mas que ajudaram a “reconstituir” parte das histórias que fui desenterrando, com a ajuda dos livros de António Costa Pinto, Nuno Severiano Teixeira, Freire Antunes ou William Burr, autor de “Kissinger Transcripts”, livro de referência sobre Kissinger e a “sua” política externa e que revela os memorandos de conversação com figuras do século XX como Brejnev ou Mao.
Nos Estados Unidos, a lei da rolha é regra quando se fala de armamento nuclear, apenas quebrado em ocasiões muito raras, como fora a divulgação do documento da Bulletin ou a da revelação, em 1985, de William Arkin da lista de países em que as forças armadas norte-americanas tinham autorização para instalar armas nucleares em caso de crise ou guerra. Na lista lá estavam Portugal e os Açores.
Em Lisboa, a nível oficial, o silêncio é ainda mais espesso. Do Ministério da Defesa ou dos Negócios Estrangeiros nem uma declaração além do trivial a qualificar de “especulações” jornalísticas as notícias sobre a presença de armas nucleares em território português – ainda que tivessem passado mais de 20 anos... Valeram-me alguns ex-chefes militares (na reserva ou na reforma), que falaram sob a condição de anonimato, e o arquivo do DN para ter declarações esparsas de vários ministros sobre o assunto. Igualmente enigmáticas. E assim iam passando meses de investigação feita muitas vezes em horário pós-laboral.
Do outro lado do Atlântico, essencial foi a Ford Library, que tem à sua guarda os “papéis” da Administração Ford, incluindo alguns de Henry Kissinger - esses são fáceis de identificar com o carimbo “classified by HAK”. Com um computador, um e-mail e um American Express passei a investigar à distância. Da Ford Library chegaram-me frequentemente, por e-mail, listas com a descrição dos documentos. Depois chegavam os envelopes de fotocópias de telegramas, memorandos, actas de reuniões e até um acordo para as ligações aéreas de Portugal com os Estados Unidos…
Geir Gundersen, um arquivista da Ford Library, foi de uma ajuda inestimável: de vez em quando, um e-mail alertava para mais uma colecção de documentos desclassificada e chamava a atenção para o interesse deste ou daquele telegrama. Sem a sua ajuda, teria sido difícil fazer este livro. Desde 2006, a consulta de parte desses documentos, especialmente telegramas, é possível no “site” dos National Archives (www.nara.gov). Centenas de telegramas sobre Portugal de 1973, 1974 e 1975 estão “on-line”. No entanto, grande parte dessa documentação só é possível consultar nos Estados Unidos ou comprando fotocópias – no caso da Ford Library, 25 cêntimos a cópia, mais portes do correio.
De 2000 a 2005, enquanto trabalhei no DN, ia publicando, de quando em vez, ao sabor de efemérides, trabalhos com base nessa documentação que ia coleccionando numa pasta, juntamente com trabalhos de outros camaradas de redacção - o Armando Rafael, o Pedro Correia, o José Manuel Barroso - e de outros jornalistas que se dedicam ao tema - Adelino Gomes (Público), José Pedro Castanheira (Expresso).
Quando saí para a Lusa, fiz cópias numa “pendisk” de todos os meus trabalhos no DN e achei que, de facto, estavam li a base capítulos de um livro que, todavia, precisavam de ser reescritos e/ou complementados com mais informação de documentos inéditos e um melhor enquadramento. E assim nasceu "Portugal", que teve o seu baptismo numa madrugada de Maio de 2007, pouco depois de Zita Seabra, da Alêtheia, ter confirmado o interesse pelo livro, que então continuava a ser um projecto.
Só o terminei em Agosto, depois de uma maratona, sózinho em casa, de escrita e de revisão. Tive - ainda bem - a fantástica ajuda de José João Leiria, na revisão.
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