Nuno Simas
Agência Lusa
Os Estados Unidos recusaram apoiar um apelo da Holanda e do ministro português da Educação em 1974, Veiga Simão, para pressionarem Marcelo Caetano a aceitar as teses de Spínola para uma solução política na guerra colonial em África.
"Uma aproximação nesse sentido pelo Governo [norte-americano], de apoio às teses de Spínola não contribuiria para uma política mais flexível de Portugal em África", afirma Henry Kissinger, secretário de Estado norte-americano, num telegrama enviado ao embaixador em Lisboa, Stuart Nash Scott, datado de 20 de Abril de 1974, a cinco dias do golpe que derrubou a ditadura.
Os telegramas trocados entre a representação americana em Lisboa e o Departamento de Estado nos meses de Março e Abril, antes do golpe do 25 de Abril - desclassificados em 2003 e consultáveis na página dos Arquivos Nacionais norte-americanos www.archives.gov - revelam as derradeiras tentativas de influenciar Marcelo Caetano a resolver o problema colonial - a guerra prolongava-se há 14 anos e já fizera milhares de mortos.
E houve várias nesse período em que Portugal assistiu a mais uma tentativa (falhada), a 16 de Março de 1974, para derrubar a ditadura - o golpe das Caldas - e em que o Movimento das Forças Armadas (MFA) conspirava activamente para derrubar o sucessor de Salazar.
Em Fevereiro, fora António de Spínola, antigo comandante militar da Guiné e ex-vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, a dar mais um abalo ao regime com a publicação de "Portugal e o Futuro", o livro que propunha uma saída política para a guerra colonial e uma solução federal para as "colónias".
A 27 de Março, a Holanda apresentou um memorando intitulado "Descolonização dos territórios de Portugal em África", entregue no Departamento de Estado norte-americano e nas chancelarias de outros países europeus, e em que propunha o início de negociações - "enquanto é tempo" - com os movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.
Dois dias depois, Henry Kissinger assinou um telegrama em que informa a embaixada em Lisboa, e as restantes representações diplomáticas na Europa e África, do rotundo "não" americano explicado em três pontos.
Primeiro, afirma a "simpatia" dos Estados Unidos pela proposta holandesa, mas lembra os resultados "nada produtivos" dos contactos com Portugal a favor da autodeterminação das "possessões africanas portuguesas".
Em segundo lugar, Washington afirma o seu cepticismo quanto a esta iniciativa, ainda mais tendo em conta "a crise política interna" criada com o livro de Spínola, que poderia ser interpretada pelo Governo português "como uma interferência nos assuntos internos".
Por fim, o Governo norte-americano não podia associar-se a uma iniciativa deste tipo face às "delicadas e difíceis negociações" para renovação da Base das Lajes, nos Açores, que os Estados Unidos utilizavam desde a II Guerra Mundial.
A nível interno, uma das últimas tentativas de ajudar a "abrir" o regime partiu de um ministro da Educação do próprio Marcelo Caetano.
A 2 de Abril de 1974 - a 23 dias do golpe dos capitães -, Veiga Simão tentou convencer o embaixador Stuart Nash Scott a pressionar o presidente do conselho a aderir às teses que Spínola expusera em "Portugal e o Futuro", o livro que pôs Washington de sobreaviso para a crise profunda em que vivia a ditadura, velha de 48 anos.
Veiga Simão foi almoçar com o "número dois" da embaixada para explicar a Richard Post que uma aproximação a Caetano reforçaria as posições do professor de direito, numa altura em que estava a braços com a pressão da ala mais à direita do regime, como o general Kaulza de Arriaga, em aliança com o Presidente Américo Tomás.
"Veiga Simão indicou que algumas coisas levavam o seu tempo e que ele achava que Caetano era favorável a uma maior liberalização e que uma aproximação deste tipo pelos EUA poderia ajudar Caetano a resolver os problemas no seu tempo", conclui Scott num telegrama para o Departamento de Estado.
Após a conversa, o diplomata escreveu que a iniciativa do ministro, no Governo de Marcelo Caetano desde 1970, poder ser interpretada como uma tentativa de "fazer frente" aos "ultras" do regime.
E concluiu que seria "contraproducente" uma iniciativa deste tipo por parte dos Estados Unidos face "à situação política tensa" em Portugal e também face relacionamento distante do diplomata americano, que chegara a Lisboa há pouco meses, tanto com Marcelo Caetano como com Rui Patrício, ministro dos Negócios Estrangeiros.
Enquanto a diplomacia ia falhando e a situação militar no Ultramar se complicava para Portugal, os oficiais do MFA já tinham concluído, por esses dias, os planos do golpe militar para derrubar o regime que já fora de Salazar e era agora de Caetano.
António de Spínola, em quem os Estados Unidos não confiaram para derrubar o regime, foi o general escolhido para receber o poder de Marcelo Caetano, na tarde de 25 de Abril, e tornou-se Presidente da República. Por escassos cinco meses, até 30 de Setembro.
* Uma peça minha de 09 de Serembro de 2006 encontrada "algures" na Internet.