História: Livro revela que Carlucci comandou actividades da CIA em Portugal em 1975
Lisboa, 22 Set (Lusa) - Frank Carlucci, embaixador dos Estados Unidos em Portugal durante a revolução, admitiu que todas as actividades da CIA no país no Verão Quente de 1975 foram coordenadas directamente por ele.
A revelação é feita no livro "Carlucci vs. Kissinger - Os EUA e a Revolução Portuguesa", de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá (Ed. D. Quixote) que, com recurso a documentos desclassificados dos arquivos norte-americanos, reconstitui em cerca de 500 páginas a forma como os Estados Unidos acompanharam a situação em Portugal de 1974 a 1976.
"Tudo o que a CIA fez foi sob o meu comando. Qualquer acção que possa ter desenvolvido destinava-se a executar a política dos EUA, que era apoiar as forças democráticas em Portugal. A CIA era parte da equipa [da embaixada] e eles faziam o que lhes mandava", afirma o ex-diplomata na obra.
Carlucci foi sempre um alvo do PCP e da extrema-esquerda. Chegou a Portugal no início de 1975, meses depois do 25 de Abril, em pleno ambiente revolucionário, e tinha palavras de ordem contra ele pintadas nas paredes de Lisboa.
A declaração do ex-diplomata é feita a propósito da importância que dava às "informações" e para explicar o primeiro diferendo que teve com o secretário de Estado, Henry Kissinger, sobre a revolução portuguesa e a resposta a dar pelos Estados Unidos.
Carlucci estava a favor dos "moderados" e Kissinger, durante algum tempo, alimentou a teoria da vacina - que Portugal estava perdido para os comunistas e que, por isso, serviria de "vacina" para outros países em transição, como Espanha e Grécia, ou onde os comunistas tinham crescente influência, Itália.
Sem seu conhecimento prévio, em finais de Janeiro de 1975, o Departamento de Estado envia a informação, tendo como base os serviços de informações, de que "o PCP e elementos de esquerda do MFA" estariam a "planear um golpe" contra os moderados - informações que Carlucci desvalorizou, pedindo que, de futuro, pudesse ter "acesso a toda a informação de 'intelligence' e uma hipótese de a comentar antes de ela ser distribuída".
No livro, os dois autores apresentam "a visão e a acção política dos Estados Unidos em Portugal durante a transição democrática", em que Washington receou que Portugal se tornasse um país comunista.
E concluem: "A acção da América acabou mesmo por contribuir para a vitória das forças democráticas".
Outra das conclusões é que, apesar de Washington ter sido surpreendida pelo golpe do Movimento das Forças Armadas (MFA), a 25 de Abril de 1974, que derrubou uma ditadura de 48 anos, foi recebendo muitas informações sobre a eventualidade de um golpe dos jovens oficiais.
Um exemplo: a 23 de Abril de 1974, um diplomata norte-americano de passagem por Lisboa, Bob Bentley, encontrou-se com um "colaborador próximo" do presidente do conselho a um dia de ser deposto, Marcello Caetano, que lhe falou da iminência de um golpe.
Bentley dirigiu-se à sua embaixada em Lisboa, onde o número dois, Richard Post (em substituição do embaixador Stuart Nash Scott, ausente a caminho dos Estados Unidos), dizendo-lhe o que apurara.
Richard Post, com quem Bentley tinha más relações, "respondeu-lhe que não tinha nada a ver com o assunto e expulsou-o do seu gabinete".
Este trabalho resulta de quatro anos de investigação nos Estados Unidos e em Portugal, através da consulta de arquivos e de muitos documentos norte-americanos desclassificados, e aborda todas as fases da revolução portuguesa - o 28 de Setembro, o golpe de 11 de Março, o Verão Quente e o 25 de Novembro.
Com um Governo em que participavam ministros comunistas, os Estados Unidos receavam pela segurança dos segredos militares da NATO, tendo equacionado o cenário de expulsão ou "quarentena" da Aliança Atlântica.
Num país à beira da guerra civil, no Verão Quente, os autores consideram que o PS, liderado por Mário Soares, chegou mesmo a "pedir ajuda militar" - pedido esse recusado - e que só terá chegado passado o 25 de Novembro, com a entrega de material para a tropa de choque.
A apresentação está marcada para dia 30 de Setembro na Fundação Luso-Americana, em Lisboa, numa cerimónia em que estarão presentes o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.
Bernardino Gomes é licenciado em Ciências Políticas pela Universidade de Lovaina (Bélgica), foi chefe de gabinete de Mário Soares quando este era primeiro-ministro, é assessor do Ministério dos Negócios Estrangeiros e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais.
Tiago Moreira de Sá foi jornalista (1995-2003), é historiador, autor do livro "Os Americanos na Revolução Portuguesa" (Ed. Notícias) e actualmente é investigador do IPRI - Universidade Nova.
NS.
Lusa/fim
Lisboa, 22 Set (Lusa) - Frank Carlucci, embaixador dos Estados Unidos em Portugal durante a revolução, admitiu que todas as actividades da CIA no país no Verão Quente de 1975 foram coordenadas directamente por ele.
A revelação é feita no livro "Carlucci vs. Kissinger - Os EUA e a Revolução Portuguesa", de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá (Ed. D. Quixote) que, com recurso a documentos desclassificados dos arquivos norte-americanos, reconstitui em cerca de 500 páginas a forma como os Estados Unidos acompanharam a situação em Portugal de 1974 a 1976.
"Tudo o que a CIA fez foi sob o meu comando. Qualquer acção que possa ter desenvolvido destinava-se a executar a política dos EUA, que era apoiar as forças democráticas em Portugal. A CIA era parte da equipa [da embaixada] e eles faziam o que lhes mandava", afirma o ex-diplomata na obra.
Carlucci foi sempre um alvo do PCP e da extrema-esquerda. Chegou a Portugal no início de 1975, meses depois do 25 de Abril, em pleno ambiente revolucionário, e tinha palavras de ordem contra ele pintadas nas paredes de Lisboa.
A declaração do ex-diplomata é feita a propósito da importância que dava às "informações" e para explicar o primeiro diferendo que teve com o secretário de Estado, Henry Kissinger, sobre a revolução portuguesa e a resposta a dar pelos Estados Unidos.
Carlucci estava a favor dos "moderados" e Kissinger, durante algum tempo, alimentou a teoria da vacina - que Portugal estava perdido para os comunistas e que, por isso, serviria de "vacina" para outros países em transição, como Espanha e Grécia, ou onde os comunistas tinham crescente influência, Itália.
Sem seu conhecimento prévio, em finais de Janeiro de 1975, o Departamento de Estado envia a informação, tendo como base os serviços de informações, de que "o PCP e elementos de esquerda do MFA" estariam a "planear um golpe" contra os moderados - informações que Carlucci desvalorizou, pedindo que, de futuro, pudesse ter "acesso a toda a informação de 'intelligence' e uma hipótese de a comentar antes de ela ser distribuída".
No livro, os dois autores apresentam "a visão e a acção política dos Estados Unidos em Portugal durante a transição democrática", em que Washington receou que Portugal se tornasse um país comunista.
E concluem: "A acção da América acabou mesmo por contribuir para a vitória das forças democráticas".
Outra das conclusões é que, apesar de Washington ter sido surpreendida pelo golpe do Movimento das Forças Armadas (MFA), a 25 de Abril de 1974, que derrubou uma ditadura de 48 anos, foi recebendo muitas informações sobre a eventualidade de um golpe dos jovens oficiais.
Um exemplo: a 23 de Abril de 1974, um diplomata norte-americano de passagem por Lisboa, Bob Bentley, encontrou-se com um "colaborador próximo" do presidente do conselho a um dia de ser deposto, Marcello Caetano, que lhe falou da iminência de um golpe.
Bentley dirigiu-se à sua embaixada em Lisboa, onde o número dois, Richard Post (em substituição do embaixador Stuart Nash Scott, ausente a caminho dos Estados Unidos), dizendo-lhe o que apurara.
Richard Post, com quem Bentley tinha más relações, "respondeu-lhe que não tinha nada a ver com o assunto e expulsou-o do seu gabinete".
Este trabalho resulta de quatro anos de investigação nos Estados Unidos e em Portugal, através da consulta de arquivos e de muitos documentos norte-americanos desclassificados, e aborda todas as fases da revolução portuguesa - o 28 de Setembro, o golpe de 11 de Março, o Verão Quente e o 25 de Novembro.
Com um Governo em que participavam ministros comunistas, os Estados Unidos receavam pela segurança dos segredos militares da NATO, tendo equacionado o cenário de expulsão ou "quarentena" da Aliança Atlântica.
Num país à beira da guerra civil, no Verão Quente, os autores consideram que o PS, liderado por Mário Soares, chegou mesmo a "pedir ajuda militar" - pedido esse recusado - e que só terá chegado passado o 25 de Novembro, com a entrega de material para a tropa de choque.
A apresentação está marcada para dia 30 de Setembro na Fundação Luso-Americana, em Lisboa, numa cerimónia em que estarão presentes o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.
Bernardino Gomes é licenciado em Ciências Políticas pela Universidade de Lovaina (Bélgica), foi chefe de gabinete de Mário Soares quando este era primeiro-ministro, é assessor do Ministério dos Negócios Estrangeiros e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais.
Tiago Moreira de Sá foi jornalista (1995-2003), é historiador, autor do livro "Os Americanos na Revolução Portuguesa" (Ed. Notícias) e actualmente é investigador do IPRI - Universidade Nova.
NS.
Lusa/fim
A foto é deste ano, de Ron Edmonds, da AP. A legenda, em inglês, é: "Former Secretary of States Henry Kissinger, left, Madeleine Albright, second from left, along with current Secretary of State Condoleezza Rice, second from right, and former Defense Secretary Frank Carlucci, right, listen as President Bush speaks during a ceremonial groundbreaking ceremony for the United States Institute of Peace at Navy Hill, Thursday, June 5, 2008, in Washington.
O texto é meu e foi publicado hoje na Agência Lusa.
No comments:
Post a Comment