Henry Kissinger era conhecido pela sua ironia, exercitada em público e em privado em reuniões com dirigentes e líderes mundiais enquanto esteve à frente da diplomacia norte-americana, com Richard Nixon e Gerald Ford.
“Bonne chance, Europe”, desejou Kissinger um dia aos europeus no apoio aos “moderados”, durante o Verão Quente, ele que, durante algum tempo, considerou Portugal “perdido” para os comunistas. De outra vez, ironizou que talvez fosse necessário “atacar” Portugal para expulsar os esquerdistas. Irónico foi também com Frank Carlucci, o embaixador dos Estados Unidos em Portugal, ao questionar se o diploma andava em Lisboa a dar cursos de ciência política em vez de andar “em acção”.
Em Outubro de 1974, cinco meses depois da revolução do 25 de Abril, Kissinger recebeu, num “almoço de trabalho”, em Washington, Edward Gierek, líder do partido comunista polaco. Fala-se na cimeira, em preparação, da CSCE, em Helsínquia, no ano seguinte. Com ele estão o vice-primeiro-ministro Mieczylaw Jagielski e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Stefan Olszowski. A certa altura da conversa, Kissinger pergunta a Gierek se já tinha ido ao México.
O polaco diz que não; que viajou muito pela Ásia e que era a primeira vez que estava naquele hemisfério; esperava, por exemplo, visitar Portugal em breve (o que veio, de facto a acontecer em Janeiro de 1975).
O secretário de Estado norte-americano - que durante o período revolucionário dos governo de Vasco Gonçalves receava pela segurança dos segredos militares da NATO por Portugal ter ministros comunistas - atira a frase: “Acha que eles [portugueses] vão aderir em breve ao Pacto de Varsóvia?”.~
Gierek dá uma resposta diplomática, dizendo que uma proposta nesse sentido “certamente seria considerada seriamente”, que os Estados-membros do Pacto de Varsóvia tinham “privilégios e deveres” a ser aceites e ainda que União Soviética era apenas um dos membros da Aliança.
Ironicamente, o ministro dos Negócios Estrangeiros polaco “sugere”, quanto a Portugal, que “o melhor talvez fosse melhor começar por aderir à COMECON” – a comunidade económica dos países da esfera da URSS.
Kissinger afirma então: “Ainda podemos ter uma situação em que Portugal é simultaneamente membro da NATO e do Pacto de Varsóvia. Acha que isso seria um avanço para a segurança na Europa?”.
A resposta de Stefan Olszowski é que isso abriria uma nova fase de debate na conferência da CSCE (Basket IV).
“Isso seria certamente uma nova experiência”, comentou o vice-primeiro-ministro Mieczylaw Jagielski.
O memorando desta conversa está incluído em mais um volume do "Foreign Relations of the United States", editado este ano pelo Office of the Historian, do Departamento de Estado norte-americano "Foreign Relations, 1969-1976, Volume E-15, Documents on Eastern Europe, 1973-1976". E pode ser consultado, na íntegra, aqui.
DEPARTMENT OF STATE
Memorandum of ConversationDATE: Oct. 8, 1974
TIME: 1:15 p.m.
PLACE: Secretary's Dining Room
PARTICIPANTS:
POLISH:Edward Gierek, First Secretary of Central Committee of Polish United Workers' Party
Mieczyslaw Jagielski, Vice Premier and Chairman of State Planning Commission
Stefan Olszowski, Minister of Foreign Affairs
Richard Frelek, Member of Secretariat of Central Committee of Polish United Workers' Party
Dr. Witold Trampczynski, Polish Ambassador
Jerzy Waszczuk, Director, First Secretary's Office, Central Committee of Polish United Workers' Party
Marian Kruczkowski, First Deputy Director of the Press, Propaganda and Publications, Department of the Central Committee
Romuald Spasowski, Vice Minister, Ministry of. Foreign Affairs
U.S.:
The Secretary
The Deputy Secretary
Ambassador Richard T. Davies
Helmut Sonnenfeldt, Counselor
Arthur A. Hartman, Assistant Secretary for European Affairs
Senator H. H. Humphrey
Senator Charles Percy
Representative Clement Zablocki
SECRETARY: The First Secretary and the President had an interesting meeting in which they reviewed the state of our relations in a constructive and positive spirit. These discussions will continue before and after dinner this evening. We attach great importance to this visit. We recognize the state of your existing relations and we know the realities of geography and history and what they meant to the Poles and Poland. We do not believe, however, that there is anything inconsistent between these realities and an improvement in relations between Poland and the United States. It is in this spirit that we approach your visit, Mr. First Secretary.
GIEREK: I can only add that all the things I have said conform with our vital interests and our sincere intent to develop friendly relations with the United States. We know our place and we know what our situation is. It is precisely because we do know these things that we feel we can contribute more to developing co-existence and to the lasting friendship we have with the United States.
(…)
GIEREK: This is the first time I have visited this hemisphere. I have traveled widely in Asia.
SECRETARY: To China?
GIEREK: Yes, and I have been to Viet-Nam, Cambodia, Laos, Indonesia--all over Asia. In Europe I have been to every country with the exception of Portugal and I hope soon to go there.
SECRETARY: Do you think they will join the Warsaw Pact soon?
GIEREK: We would certainly give serious consideration to that but, as you know, in the Warsaw Pact there are both privileges and duties that must be accepted. So far, however, there has been no such development. The Soviet Union is only one of the members. We would all have our own opinion.
ZABLOCKI: Do all the members of the Warsaw Pact have an equal voice?
GIEREK: Yes.
OLSZOWSKI: As concerns Portugal, it might be better for them to start with COMECON.
FRELEK: Yes, the Portuguese have an economic problem.
SECRETARY: We may yet have a situation in which Portugal is a member both of NATO and the Warsaw Pact. Do you think that would advance European security?
OLSZOWSKI: That could be Basket IV.
JAGIELSKI: That would certainly be a new experience.
“Bonne chance, Europe”, desejou Kissinger um dia aos europeus no apoio aos “moderados”, durante o Verão Quente, ele que, durante algum tempo, considerou Portugal “perdido” para os comunistas. De outra vez, ironizou que talvez fosse necessário “atacar” Portugal para expulsar os esquerdistas. Irónico foi também com Frank Carlucci, o embaixador dos Estados Unidos em Portugal, ao questionar se o diploma andava em Lisboa a dar cursos de ciência política em vez de andar “em acção”.
Em Outubro de 1974, cinco meses depois da revolução do 25 de Abril, Kissinger recebeu, num “almoço de trabalho”, em Washington, Edward Gierek, líder do partido comunista polaco. Fala-se na cimeira, em preparação, da CSCE, em Helsínquia, no ano seguinte. Com ele estão o vice-primeiro-ministro Mieczylaw Jagielski e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Stefan Olszowski. A certa altura da conversa, Kissinger pergunta a Gierek se já tinha ido ao México.
O polaco diz que não; que viajou muito pela Ásia e que era a primeira vez que estava naquele hemisfério; esperava, por exemplo, visitar Portugal em breve (o que veio, de facto a acontecer em Janeiro de 1975).
O secretário de Estado norte-americano - que durante o período revolucionário dos governo de Vasco Gonçalves receava pela segurança dos segredos militares da NATO por Portugal ter ministros comunistas - atira a frase: “Acha que eles [portugueses] vão aderir em breve ao Pacto de Varsóvia?”.~
Gierek dá uma resposta diplomática, dizendo que uma proposta nesse sentido “certamente seria considerada seriamente”, que os Estados-membros do Pacto de Varsóvia tinham “privilégios e deveres” a ser aceites e ainda que União Soviética era apenas um dos membros da Aliança.
Ironicamente, o ministro dos Negócios Estrangeiros polaco “sugere”, quanto a Portugal, que “o melhor talvez fosse melhor começar por aderir à COMECON” – a comunidade económica dos países da esfera da URSS.
Kissinger afirma então: “Ainda podemos ter uma situação em que Portugal é simultaneamente membro da NATO e do Pacto de Varsóvia. Acha que isso seria um avanço para a segurança na Europa?”.
A resposta de Stefan Olszowski é que isso abriria uma nova fase de debate na conferência da CSCE (Basket IV).
“Isso seria certamente uma nova experiência”, comentou o vice-primeiro-ministro Mieczylaw Jagielski.
O memorando desta conversa está incluído em mais um volume do "Foreign Relations of the United States", editado este ano pelo Office of the Historian, do Departamento de Estado norte-americano "Foreign Relations, 1969-1976, Volume E-15, Documents on Eastern Europe, 1973-1976". E pode ser consultado, na íntegra, aqui.
DEPARTMENT OF STATE
Memorandum of ConversationDATE: Oct. 8, 1974
TIME: 1:15 p.m.
PLACE: Secretary's Dining Room
PARTICIPANTS:
POLISH:Edward Gierek, First Secretary of Central Committee of Polish United Workers' Party
Mieczyslaw Jagielski, Vice Premier and Chairman of State Planning Commission
Stefan Olszowski, Minister of Foreign Affairs
Richard Frelek, Member of Secretariat of Central Committee of Polish United Workers' Party
Dr. Witold Trampczynski, Polish Ambassador
Jerzy Waszczuk, Director, First Secretary's Office, Central Committee of Polish United Workers' Party
Marian Kruczkowski, First Deputy Director of the Press, Propaganda and Publications, Department of the Central Committee
Romuald Spasowski, Vice Minister, Ministry of. Foreign Affairs
U.S.:
The Secretary
The Deputy Secretary
Ambassador Richard T. Davies
Helmut Sonnenfeldt, Counselor
Arthur A. Hartman, Assistant Secretary for European Affairs
Senator H. H. Humphrey
Senator Charles Percy
Representative Clement Zablocki
SECRETARY: The First Secretary and the President had an interesting meeting in which they reviewed the state of our relations in a constructive and positive spirit. These discussions will continue before and after dinner this evening. We attach great importance to this visit. We recognize the state of your existing relations and we know the realities of geography and history and what they meant to the Poles and Poland. We do not believe, however, that there is anything inconsistent between these realities and an improvement in relations between Poland and the United States. It is in this spirit that we approach your visit, Mr. First Secretary.
GIEREK: I can only add that all the things I have said conform with our vital interests and our sincere intent to develop friendly relations with the United States. We know our place and we know what our situation is. It is precisely because we do know these things that we feel we can contribute more to developing co-existence and to the lasting friendship we have with the United States.
(…)
GIEREK: This is the first time I have visited this hemisphere. I have traveled widely in Asia.
SECRETARY: To China?
GIEREK: Yes, and I have been to Viet-Nam, Cambodia, Laos, Indonesia--all over Asia. In Europe I have been to every country with the exception of Portugal and I hope soon to go there.
SECRETARY: Do you think they will join the Warsaw Pact soon?
GIEREK: We would certainly give serious consideration to that but, as you know, in the Warsaw Pact there are both privileges and duties that must be accepted. So far, however, there has been no such development. The Soviet Union is only one of the members. We would all have our own opinion.
ZABLOCKI: Do all the members of the Warsaw Pact have an equal voice?
GIEREK: Yes.
OLSZOWSKI: As concerns Portugal, it might be better for them to start with COMECON.
FRELEK: Yes, the Portuguese have an economic problem.
SECRETARY: We may yet have a situation in which Portugal is a member both of NATO and the Warsaw Pact. Do you think that would advance European security?
OLSZOWSKI: That could be Basket IV.
JAGIELSKI: That would certainly be a new experience.
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