Monday, September 29, 2008

Kissinger irónico: E se Portugal pertencer à NATO e ao Pacto de Varsóvia?




Henry Kissinger era conhecido pela sua ironia, exercitada em público e em privado em reuniões com dirigentes e líderes mundiais enquanto esteve à frente da diplomacia norte-americana, com Richard Nixon e Gerald Ford.
“Bonne chance, Europe”, desejou Kissinger um dia aos europeus no apoio aos “moderados”, durante o Verão Quente, ele que, durante algum tempo, considerou Portugal “perdido” para os comunistas. De outra vez, ironizou que talvez fosse necessário “atacar” Portugal para expulsar os esquerdistas. Irónico foi também com Frank Carlucci, o embaixador dos Estados Unidos em Portugal, ao questionar se o diploma andava em Lisboa a dar cursos de ciência política em vez de andar “em acção”.
Em Outubro de 1974, cinco meses depois da revolução do 25 de Abril, Kissinger recebeu, num “almoço de trabalho”, em Washington, Edward Gierek, líder do partido comunista polaco. Fala-se na cimeira, em preparação, da CSCE, em Helsínquia, no ano seguinte. Com ele estão o vice-primeiro-ministro Mieczylaw Jagielski e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Stefan Olszowski. A certa altura da conversa, Kissinger pergunta a Gierek se já tinha ido ao México.
O polaco diz que não; que viajou muito pela Ásia e que era a primeira vez que estava naquele hemisfério; esperava, por exemplo, visitar Portugal em breve (o que veio, de facto a acontecer em Janeiro de 1975).
O secretário de Estado norte-americano - que durante o período revolucionário dos governo de Vasco Gonçalves receava pela segurança dos segredos militares da NATO por Portugal ter ministros comunistas - atira a frase: “Acha que eles [portugueses] vão aderir em breve ao Pacto de Varsóvia?”.~
Gierek dá uma resposta diplomática, dizendo que uma proposta nesse sentido “certamente seria considerada seriamente”, que os Estados-membros do Pacto de Varsóvia tinham “privilégios e deveres” a ser aceites e ainda que União Soviética era apenas um dos membros da Aliança.
Ironicamente, o ministro dos Negócios Estrangeiros polaco “sugere”, quanto a Portugal, que “o melhor talvez fosse melhor começar por aderir à COMECON” – a comunidade económica dos países da esfera da URSS.
Kissinger afirma então: “Ainda podemos ter uma situação em que Portugal é simultaneamente membro da NATO e do Pacto de Varsóvia. Acha que isso seria um avanço para a segurança na Europa?”.
A resposta de Stefan Olszowski é que isso abriria uma nova fase de debate na conferência da CSCE (Basket IV).
“Isso seria certamente uma nova experiência”, comentou o vice-primeiro-ministro Mieczylaw Jagielski.
O memorando desta conversa está incluído em mais um volume do "Foreign Relations of the United States", editado este ano pelo Office of the Historian, do Departamento de Estado norte-americano "Foreign Relations, 1969-1976, Volume E-15, Documents on Eastern Europe, 1973-1976". E pode ser consultado, na íntegra, aqui.

DEPARTMENT OF STATE
Memorandum of ConversationDATE: Oct. 8, 1974
TIME: 1:15 p.m.
PLACE: Secretary's Dining Room
PARTICIPANTS:
POLISH:Edward Gierek, First Secretary of Central Committee of Polish United Workers' Party
Mieczyslaw Jagielski, Vice Premier and Chairman of State Planning Commission
Stefan Olszowski, Minister of Foreign Affairs
Richard Frelek, Member of Secretariat of Central Committee of Polish United Workers' Party
Dr. Witold Trampczynski, Polish Ambassador
Jerzy Waszczuk, Director, First Secretary's Office, Central Committee of Polish United Workers' Party
Marian Kruczkowski, First Deputy Director of the Press, Propaganda and Publications, Department of the Central Committee
Romuald Spasowski, Vice Minister, Ministry of. Foreign Affairs
U.S.:
The Secretary
The Deputy Secretary
Ambassador Richard T. Davies
Helmut Sonnenfeldt, Counselor
Arthur A. Hartman, Assistant Secretary for European Affairs
Senator H. H. Humphrey
Senator Charles Percy
Representative Clement Zablocki

SECRETARY: The First Secretary and the President had an interesting meeting in which they reviewed the state of our relations in a constructive and positive spirit. These discussions will continue before and after dinner this evening. We attach great importance to this visit. We recognize the state of your existing relations and we know the realities of geography and history and what they meant to the Poles and Poland. We do not believe, however, that there is anything inconsistent between these realities and an improvement in relations between Poland and the United States. It is in this spirit that we approach your visit, Mr. First Secretary.
GIEREK: I can only add that all the things I have said conform with our vital interests and our sincere intent to develop friendly relations with the United States. We know our place and we know what our situation is. It is precisely because we do know these things that we feel we can contribute more to developing co-existence and to the lasting friendship we have with the United States.
(…)
GIEREK: This is the first time I have visited this hemisphere. I have traveled widely in Asia.
SECRETARY: To China?
GIEREK: Yes, and I have been to Viet-Nam, Cambodia, Laos, Indonesia--all over Asia. In Europe I have been to every country with the exception of Portugal and I hope soon to go there.
SECRETARY: Do you think they will join the Warsaw Pact soon?
GIEREK: We would certainly give serious consideration to that but, as you know, in the Warsaw Pact there are both privileges and duties that must be accepted. So far, however, there has been no such development. The Soviet Union is only one of the members. We would all have our own opinion.
ZABLOCKI: Do all the members of the Warsaw Pact have an equal voice?
GIEREK: Yes.
OLSZOWSKI: As concerns Portugal, it might be better for them to start with COMECON.
FRELEK: Yes, the Portuguese have an economic problem.
SECRETARY: We may yet have a situation in which Portugal is a member both of NATO and the Warsaw Pact. Do you think that would advance European security?
OLSZOWSKI: That could be Basket IV.
JAGIELSKI: That would certainly be a new experience.

Monday, September 22, 2008

Kissinger, Carlucci e a revolução





História: Livro revela que Carlucci comandou actividades da CIA em Portugal em 1975

Lisboa, 22 Set (Lusa) - Frank Carlucci, embaixador dos Estados Unidos em Portugal durante a revolução, admitiu que todas as actividades da CIA no país no Verão Quente de 1975 foram coordenadas directamente por ele.
A revelação é feita no livro "Carlucci vs. Kissinger - Os EUA e a Revolução Portuguesa", de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá (Ed. D. Quixote) que, com recurso a documentos desclassificados dos arquivos norte-americanos, reconstitui em cerca de 500 páginas a forma como os Estados Unidos acompanharam a situação em Portugal de 1974 a 1976.
"Tudo o que a CIA fez foi sob o meu comando. Qualquer acção que possa ter desenvolvido destinava-se a executar a política dos EUA, que era apoiar as forças democráticas em Portugal. A CIA era parte da equipa [da embaixada] e eles faziam o que lhes mandava", afirma o ex-diplomata na obra.
Carlucci foi sempre um alvo do PCP e da extrema-esquerda. Chegou a Portugal no início de 1975, meses depois do 25 de Abril, em pleno ambiente revolucionário, e tinha palavras de ordem contra ele pintadas nas paredes de Lisboa.
A declaração do ex-diplomata é feita a propósito da importância que dava às "informações" e para explicar o primeiro diferendo que teve com o secretário de Estado, Henry Kissinger, sobre a revolução portuguesa e a resposta a dar pelos Estados Unidos.
Carlucci estava a favor dos "moderados" e Kissinger, durante algum tempo, alimentou a teoria da vacina - que Portugal estava perdido para os comunistas e que, por isso, serviria de "vacina" para outros países em transição, como Espanha e Grécia, ou onde os comunistas tinham crescente influência, Itália.
Sem seu conhecimento prévio, em finais de Janeiro de 1975, o Departamento de Estado envia a informação, tendo como base os serviços de informações, de que "o PCP e elementos de esquerda do MFA" estariam a "planear um golpe" contra os moderados - informações que Carlucci desvalorizou, pedindo que, de futuro, pudesse ter "acesso a toda a informação de 'intelligence' e uma hipótese de a comentar antes de ela ser distribuída".
No livro, os dois autores apresentam "a visão e a acção política dos Estados Unidos em Portugal durante a transição democrática", em que Washington receou que Portugal se tornasse um país comunista.
E concluem: "A acção da América acabou mesmo por contribuir para a vitória das forças democráticas".
Outra das conclusões é que, apesar de Washington ter sido surpreendida pelo golpe do Movimento das Forças Armadas (MFA), a 25 de Abril de 1974, que derrubou uma ditadura de 48 anos, foi recebendo muitas informações sobre a eventualidade de um golpe dos jovens oficiais.
Um exemplo: a 23 de Abril de 1974, um diplomata norte-americano de passagem por Lisboa, Bob Bentley, encontrou-se com um "colaborador próximo" do presidente do conselho a um dia de ser deposto, Marcello Caetano, que lhe falou da iminência de um golpe.
Bentley dirigiu-se à sua embaixada em Lisboa, onde o número dois, Richard Post (em substituição do embaixador Stuart Nash Scott, ausente a caminho dos Estados Unidos), dizendo-lhe o que apurara.
Richard Post, com quem Bentley tinha más relações, "respondeu-lhe que não tinha nada a ver com o assunto e expulsou-o do seu gabinete".
Este trabalho resulta de quatro anos de investigação nos Estados Unidos e em Portugal, através da consulta de arquivos e de muitos documentos norte-americanos desclassificados, e aborda todas as fases da revolução portuguesa - o 28 de Setembro, o golpe de 11 de Março, o Verão Quente e o 25 de Novembro.
Com um Governo em que participavam ministros comunistas, os Estados Unidos receavam pela segurança dos segredos militares da NATO, tendo equacionado o cenário de expulsão ou "quarentena" da Aliança Atlântica.
Num país à beira da guerra civil, no Verão Quente, os autores consideram que o PS, liderado por Mário Soares, chegou mesmo a "pedir ajuda militar" - pedido esse recusado - e que só terá chegado passado o 25 de Novembro, com a entrega de material para a tropa de choque.
A apresentação está marcada para dia 30 de Setembro na Fundação Luso-Americana, em Lisboa, numa cerimónia em que estarão presentes o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama.
Bernardino Gomes é licenciado em Ciências Políticas pela Universidade de Lovaina (Bélgica), foi chefe de gabinete de Mário Soares quando este era primeiro-ministro, é assessor do Ministério dos Negócios Estrangeiros e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais.
Tiago Moreira de Sá foi jornalista (1995-2003), é historiador, autor do livro "Os Americanos na Revolução Portuguesa" (Ed. Notícias) e actualmente é investigador do IPRI - Universidade Nova.


NS.
Lusa/fim


A foto é deste ano, de Ron Edmonds, da AP. A legenda, em inglês, é: "Former Secretary of States Henry Kissinger, left, Madeleine Albright, second from left, along with current Secretary of State Condoleezza Rice, second from right, and former Defense Secretary Frank Carlucci, right, listen as President Bush speaks during a ceremonial groundbreaking ceremony for the United States Institute of Peace at Navy Hill, Thursday, June 5, 2008, in Washington.

O texto é meu e foi publicado hoje na Agência Lusa.

Um livro importante

Há um livro novo e importante sobre a revolução portuguesa e como ela foi vista dos Estados Unidos.
O título é "Carlucci vs. Kissinger - Os EUA e a Revolução Portuguesa", escrito por Bernardino Gomes e Tiago Moreira de Sá.

(voltarei ao assunto)

Sunday, September 14, 2008

Um desejo

Um dia, se pudesse e tivesse tempo, gostava de escrever as biografias de dois homens: Palma Inácio e Camilo Mortágua.

Mais revelações sobre as armas nucleares nas Lajes


O trabalho do Armando Mendes, jornalista e autor do livro “Os Açores e a Projecção de Força nos Cenários pós-Guerra Fria” (ed. Universidade dos Açores), é um importante contributo para o árduo trabalho de perceber o papel das Lajes na estratégia militar norte-americana, incluindo a estratégia e planeamento nuclear.
Um importante contributo por Armando Mendes ter conseguido o testemunho de quem teve conhecimento, por dentro, do que se passava: o “on” sobre a presença, na Base das Lajes, na década de 90, de uma comissão do Senado e, mais, a notícia do processo de um militar num tribunal norte-americano com a alegação de ter estado exposto a materiais nucleares. Mais e ainda: o “on” sobre os níveis de urânio e trítio na ilha e a opinião de um cientista que não afasta o cenário de armas nucleares.
Estes dois “pormenores” – tratando-se do assunto que é, sempre rodeado de muros de silêncio, da parte de governo, de generais e militares – são tudo menos “pormenores”. Por isso, as notícias desta semana da Antena1-Açores serem importantes para somar a todos os indícios que ao longo dos anos foram sendo relevados, mais do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, do que em Portugal.

Numa conversa telefónica com Armando Mendes disse-lhe que já era tempo de as autoridades portuguesas revelarem dados históricos sobre a participação de Portugal na estratégia nuclear dos Estados Unidos. E refiro-me a História, não a segredos militares.
Não faz muito sentido os Estados Unidos revelarem parte (ínfima) do acordo com Portugal – a que permitiu, desde a década de 50, a passagem e armazenamento temporário de armas nucleares – e os arquivos do MNE continuarem fechados a sete chaves.
Nos arquivos norte-americanos há muitos documentos com muitas páginas apagadas, nomeadamente quanto a questões e missões militares das Lajes.

Friday, September 12, 2008

Lajes e as armas nucleares norte-americanas


É uma notícia importante, desta semana, na Antena1-Açores.
Ouvir toda a notícias no site da Antena1-Açores.
(Voltarei ao assunto)


Notícias/Sociedade
Armas nucleares na Base das Lajes

Uma comissão do Senado dos Estados Unidos terá estado nos anos noventa na Base das Lajes a investigar a passagem pelos Açores de armas nucleares.
A vinda da comissão foi despoleta por militares americanos doentes que se queixaram de terem sido expostos a radiações.

Não foi possível encontrar documentos sobre o assunto, mas fontes militares portuguesas, que preferiram manter o anonimato, e antigos trabalhadores civis da base confirmam os factos.
É normal que se trate de um dossier classificado por trinta anos, conforme as normas americanas.
No livro "Portugal Classificado - documentos secretos norteamericanos, 1974-1975", o investigador Nuno Simas revela que o governo português autorizou a passagem de armas nucleares pelos Açores nos anos cinquenta.
Estudos americanos independentes confirmam, por outro lado, que alguns aviões P3 Orion, de luta anti-submarina estavam equipados com armas nucleares.
A Base das Lajes foi, até ao fim da guerra fria, um ponto de apoio a esses aviões que vigiavam a presença de submarinos soviéticos no Atlântico.
O investigador Félix Rodrigues, da Universidade dos Açores, confirma a presença na Terceira de materiais como urânio e tritio, sobretudo no interior, o que pode indiciar terem existido depósitos nucleares em locais isolados da ilha.

Notícia: Armando Mendes, Antena 1-Açores.