A avaliação é da Embaixada dos Estados Unidos em Moscovo sobre o(s) interesse(s) dos soviéticos em Portugal e na revolução e na Espanha de Franco. Por outras palavras, o interesse da URSS por Portugal visto pelos óculos dos EUA.
O telegrama, confidencial, é de 25 de outubro de 1975. Por
essa altura, já tinha caído Vasco Gonçalves, o primeiro-ministro que Washington
ajudou ativamente a apear do poder, e Pinheiro de Azevedo era o novo inquilino
de São Bento. O outono tinha chegado, mas a temperatura política em Portugal
continuava alta. A revolução estava na rua.
Jack Matlock, número dois da embaixada dos EUA em Moscovo e um
especialista em assuntos soviéticos, começa por dizer que Portugal, na “perspetiva
tradicional dos soviéticos”, é “pouco mais do que um apêndice” da Espanha na
Península Ibérica… E diz que os soviéticos não acreditavam que os comunistas
conquistassem o poder em Lisboa.
Matlock acreditava, isso sim, que o líder soviético, Leonid
Brejnev, olharia uma vitória dos comunistas em Lisboa como uma fonte de
problemas da União Soviética com o Ocidente em tempo de Guerra Fria e
“deténte”. E que um Governo comunista em Portugal duraria pouco tempo. A
começar pelo facto de o país não ser “uma ilha”, como Cuba, e estar rodeado
“por três lados” pela Espanha, governada pelo ditador Francisco Franco. Além do
mais, segundo o diplomata, os soviéticos duvidavam da capacidade do PCP de
Álvaro Cunhal conquistar o poder em Lisboa.
E o Kremlin também não acreditava que o Ocidente, e em especial
os EUA, deixasse que Portugal “se juntasse ao campo soviético”. “É inconcebível
para a liderança soviética” que esse cenário se concretizasse, concluiu o diplomata.
Mais ainda. Em termos estratégicos, um Governo “vermelho” em
Lisboa levaria Espanha – ainda governada por Franco – a “virar à direita”(!) e
a afastar-se da Europa.
Do ponto de vista soviético, “seria muito pior ganhar
[Portugal] e depois perder, ‘à la Chile´, do que ser derrotado”.
Na avaliação de Matlock, os soviéticos achavam que “Cunhal
exagerou”: “Teve a vantagem de ter um partido disciplinado, um
primeiro-ministro maleável, e uma situação política confusa, mas pressionou
demais e perdeu uma parte essencial dos militares e dos socialistas.”
Por outras palavras, e com base numa análise de imprensa
sobre a situação portuguesa, a embaixada dos EUA acreditava que “o conselho do
Kremlin a Cunhal tenha sido” manter-se na retaguarda e cultivar as relações com
os militares do MFA. Objetivo? “Que o erro de Allende não se repita em Lisboa”.
Ou seja, evitar o esmagamento de um Governo comunista por um movimento militar
de direita, como Pinochet fez com Allende.
Com os comunistas no Governo – mesmo num executivo
“unitário” – os soviéticos podiam “por e dispor”, na leitura de Matlock. “Podem recuperar da ‘lição do Chile’,
continuar em Portugal a espiar um Governo da NATO com participação portuguesa:
tudo sem prejudicar a ‘detente’ e, por isso, a ‘europeização’ de Espanha. Brejnev
terá dito Costa Gomes: “não conheço esse cavalheiro”. Apesar da atitude hipócrita,
acreditamos que os soviéticos estão confortáveis com a situação [em Portugal]: vão
ajudando clandestinamente o PCP com dinheiro, enquanto alegam que estão “limpos”
e têm uma política de não-ingerência”.
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