Tiago Moreira de Sá é historiador e ex-jornalista. Tem um livro “Os Americanos na Revolução Portuguesa” e está a preparar outro, igualmente sobre os Estados Unidos e Portugal durante o período revolucionário de 1974-75.
Na revista Atlântico de Maio publicou o texto “Os EUA e a ‘Revolução Spínolista’”, de que se publicam dois excertos retirado do blogue. Uma das melhores frases é mesmo a de Kissinger quando pergunta se Mário Soares é um extremista.
“A 25 de Abril de 1974, Henry Kissinger reúne com o staff do Departamento de Estado que dirigia. Um dos temas em cima da mesa é o golpe de Estado em Portugal, a chamada revolução dos cravos. Vale a pena transcrever parte do que foi dito sobre o nosso país, num diálogo inédito entre o todo-poderoso secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, e o responsável máximo do Departamento de Estado para os Assuntos Europeus, Arthur Hartman.
Arthur Hartman: «Espero que não me negue a oportunidade de falar sobre um golpe de Estado na Europa. Não é todos os dias que tenho essa hipótese (risos). As últimas notícias são que [Marcello] Caetano foi preso – não há nenhuma palavra sobre o que aconteceu com [Américo] Tomás. Existe um relato de um funcionário da embaixada dizendo que Spínola estava a ir para o quartel-general nacional no meio da aclamação popular. De qualquer modo, ainda nada é absolutamente definitivo sobre que grupo tomou conta do poder e quais as suas políticas. Tanto quanto sei, não há relatos a partir das colónias sobre as actividades lá.»
Henry Kissinger: «Então, se se trata de Spínola a política nas colónias será mais liberal.»
AH: «Mais liberal. Existem algumas evidências de que têm existido grupos económicos a apoiar a posição [de Spínola].»
HK: «Mas eles têm que estar loucos para pensarem que podem aguentar as colónias através de meios mais liberais. Assim que entrarem por esse caminho vão perder as colónias.» (1)
(…)
“O mais condecorado herói de guerra”
O diálogo entre Henry Kissinger e Arthur Hartman constitui um resumo elucidativo da reacção inicial dos Estados Unidos ao 25 de Abril. Nele se percebe a surpresa com que o derrube do Estado Novo é recebido em Washington, assim como o quase total desconhecimento acerca do Movimento das Forças Armadas (MFA) – e, finalmente, a atribuição do golpe de Estado militar a António de Spínola.
Estas percepções são confirmadas pelos demais registos existentes nos arquivos norte-americanos, desde logo pela correspondência trocada entre a Embaixada em Lisboa e o Departamento de Estado.
No dia seguinte, ocorre mais uma reunião de Henry Kissinger com o seu staff do Departamento de Estado onde, entre outros assuntos, são analisadas as consequências da “crise Palma Carlos”:
Arthur Hartman: «A situação portuguesa está também a tornar-se mais confusa. Alguns ministros demitiram-se, incluindo o primeiro-ministro. Parece que as coisas estão a transformar-se numa luta entre o próprio Spínola, que quer ter mais poder e dar mais poder aos ministros civis e “centristas”, e os militares [do MFA] que o têm apoiado.»
Henry Kissinger: «A minha previsão tem sido sempre que só há dois desenvolvimentos possíveis. Ou os militares tomam conta do poder ou a esquerda fá-lo-á.»
AH: «Há uma complicação adicional pois existem alguns elementos de esquerda no grupo militar.»
HK: «Nós estamos fora disso?»
AH: «Tanto quanto sei.»
HK: «Bem, diz-lhes para ficarem fora disso. Sabemos o suficiente para ter uma perspectiva?»
AH: «Penso que não sabemos.»
HK: «Bem, desde que estejamos fora disso. Pessoalmente, prefiro que um grupo centrista domine a situação. Mas não vejo que tipo de apoio poderá ter.»
AH: «Claramente, terá que ter o apoio dos militares.»
HK: «Aparentemente, Soares continua no Governo.»
AH: «Sim.»
HK: «Ele pertence à facção extremista?»
AH: «Não. Mas está aparentemente à espera do seu momento, pois penso que esta é mais uma luta entre os dois ministros comunistas, um dos quais é o ministro do Trabalho, e os centristas.» (2)
(1) The Secretary´s Principals and Regionals Staff Meeting, Department of State, April 26, 1974, National Archives.
(2) The Secretary´s Principal´s and Regional´s Staff Meeting, July 10, 1974
Na revista Atlântico de Maio publicou o texto “Os EUA e a ‘Revolução Spínolista’”, de que se publicam dois excertos retirado do blogue. Uma das melhores frases é mesmo a de Kissinger quando pergunta se Mário Soares é um extremista.
“A 25 de Abril de 1974, Henry Kissinger reúne com o staff do Departamento de Estado que dirigia. Um dos temas em cima da mesa é o golpe de Estado em Portugal, a chamada revolução dos cravos. Vale a pena transcrever parte do que foi dito sobre o nosso país, num diálogo inédito entre o todo-poderoso secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, e o responsável máximo do Departamento de Estado para os Assuntos Europeus, Arthur Hartman.
Arthur Hartman: «Espero que não me negue a oportunidade de falar sobre um golpe de Estado na Europa. Não é todos os dias que tenho essa hipótese (risos). As últimas notícias são que [Marcello] Caetano foi preso – não há nenhuma palavra sobre o que aconteceu com [Américo] Tomás. Existe um relato de um funcionário da embaixada dizendo que Spínola estava a ir para o quartel-general nacional no meio da aclamação popular. De qualquer modo, ainda nada é absolutamente definitivo sobre que grupo tomou conta do poder e quais as suas políticas. Tanto quanto sei, não há relatos a partir das colónias sobre as actividades lá.»
Henry Kissinger: «Então, se se trata de Spínola a política nas colónias será mais liberal.»
AH: «Mais liberal. Existem algumas evidências de que têm existido grupos económicos a apoiar a posição [de Spínola].»
HK: «Mas eles têm que estar loucos para pensarem que podem aguentar as colónias através de meios mais liberais. Assim que entrarem por esse caminho vão perder as colónias.» (1)
(…)
“O mais condecorado herói de guerra”
O diálogo entre Henry Kissinger e Arthur Hartman constitui um resumo elucidativo da reacção inicial dos Estados Unidos ao 25 de Abril. Nele se percebe a surpresa com que o derrube do Estado Novo é recebido em Washington, assim como o quase total desconhecimento acerca do Movimento das Forças Armadas (MFA) – e, finalmente, a atribuição do golpe de Estado militar a António de Spínola.
Estas percepções são confirmadas pelos demais registos existentes nos arquivos norte-americanos, desde logo pela correspondência trocada entre a Embaixada em Lisboa e o Departamento de Estado.
No dia seguinte, ocorre mais uma reunião de Henry Kissinger com o seu staff do Departamento de Estado onde, entre outros assuntos, são analisadas as consequências da “crise Palma Carlos”:
Arthur Hartman: «A situação portuguesa está também a tornar-se mais confusa. Alguns ministros demitiram-se, incluindo o primeiro-ministro. Parece que as coisas estão a transformar-se numa luta entre o próprio Spínola, que quer ter mais poder e dar mais poder aos ministros civis e “centristas”, e os militares [do MFA] que o têm apoiado.»
Henry Kissinger: «A minha previsão tem sido sempre que só há dois desenvolvimentos possíveis. Ou os militares tomam conta do poder ou a esquerda fá-lo-á.»
AH: «Há uma complicação adicional pois existem alguns elementos de esquerda no grupo militar.»
HK: «Nós estamos fora disso?»
AH: «Tanto quanto sei.»
HK: «Bem, diz-lhes para ficarem fora disso. Sabemos o suficiente para ter uma perspectiva?»
AH: «Penso que não sabemos.»
HK: «Bem, desde que estejamos fora disso. Pessoalmente, prefiro que um grupo centrista domine a situação. Mas não vejo que tipo de apoio poderá ter.»
AH: «Claramente, terá que ter o apoio dos militares.»
HK: «Aparentemente, Soares continua no Governo.»
AH: «Sim.»
HK: «Ele pertence à facção extremista?»
AH: «Não. Mas está aparentemente à espera do seu momento, pois penso que esta é mais uma luta entre os dois ministros comunistas, um dos quais é o ministro do Trabalho, e os centristas.» (2)
(1) The Secretary´s Principals and Regionals Staff Meeting, Department of State, April 26, 1974, National Archives.
(2) The Secretary´s Principal´s and Regional´s Staff Meeting, July 10, 1974