Chefe do Governo de Franco admitiu intervenção militar em Portugal em 1975
04.11.2008, Alexandra Prado Coelho
A revelação feita ontem pelo diário espanhol El País baseia-se em documentos do Departamento de Estado norte-americano recentemente desclassificados
Documentos do Departamento de Estado norte-americano, recentemente desclassificados, revelam que Carlos Arias Navarro, último chefe do Governo de Franco, declarou aos norte-americanos que a Espanha estava disponível para uma intervenção armada em Portugal, em 1975, para travar o comunismo, revelou ontem o El País. Segundo os documentos a que o diário espanhol teve acesso através dos Arquivos Nacionais dos EUA, Arias manifestou as suas preocupações ao então vice-secretário de Estado norte-americano, Robert Ingersoll, durante um encontro em Jerusalém em Março de 1975. Ingersoll escreveu então ao secretário de Estado Henry Kissinger, fazendo eco das palavras do político espanhol: "Portugal é uma séria ameaça para Espanha, não só pelo desenvolvimento que está a ter a situação, como pelo apoio exterior que podia obter e que seria hostil a Es-panha". E acrescenta: "Espanha estaria disposta a travar o combate anticomunista, sozinha se necessário. É um país forte e próspero. Não quer pedir ajuda. Mas acredita que terá a cooperação e a compreensão dos seus amigos [...]". Ou seja, Arias esperava que os Estados Unidos manifestassem de forma clara o seu apoio a uma eventual intervenção, de acordo com as revelações feitas pelo El País, num artigo intitulado Arias queria ir para a guerra com Portugal. Estes papéis constituem "o primei-ro registo documental dessa intenção", diz Nuno Simas, autor do recentemente editado Portugal Classificado - Documentos Secretos Norte-Americanos 1974-1975. "Havia indicações nesse sentido de Paradela de Abreu [o editor de Portugal e o Futuro, o livro do general Spínola] e do antigo embaixador português em Madrid, Fernando Reino. Mas provas documentais não existiam". Em declarações aos jornalistas em Madrid em 1994, reproduzidas pela agência noticiosa Lusa, Fernando Reino contou uma versão um pouco diferente da história, dizendo que foram os EUA que sugeriram a Espanha a hipótese de invadir Portugal durante a crise provocada pelo assalto à embaixada espanhola em 1975. Segundo o antigo embaixador, "nessa altura houve um conselho de ministros em Espanha em que se discutiu o assunto e havia duas alas, uma que defendia a intervenção e a outra não". "Precauções apropriadas"Fernando Reino acrescentou ainda que, de acordo com as informações de que dispunha, teria sido o próprio Franco a decidir pela não intervenção em Portugal. Questionado pela agência Lusa sobre as fontes em que se baseava, explicou apenas que se tratava de "testemunhos vivos". Tiago Moreira de Sá que, juntamente com Bernardino Gomes, acaba de lançar Carlucci vs. Kissinger - Os EUA e a Revolução Portuguesa, também cita as declarações de Fernando Reino (que optou por não usar no seu livro por não terem confirmação de outras fontes), mas, de resto, diz que "todas as indicações apontavam no sentido inverso, para uma grande moderação da posição espanhola". Refere, em especial, uma conversa que o general Francisco Franco manteve com o Presidente norte-americano Gerald Ford (ver caixa) e com Kissinger, na qual Ford pergunta "Os moderados podem triunfar em Portugal?", e Franco responde: "Temos que deixar a revolução seguir o seu curso. A situação ainda não é muito clara. A situação económica vai seguramente deteriorar-se. Qualquer intervenção estrangeira seria prejudicial para os moderados, porque uniria os portugueses contra quem os atacasse". Os documentos citados pelo El País adiantam mais sobre o encontro entre Arias e Ingersoll, que aconteceu em Março, o mês do golpe militar falhado lançado por Spínola. O chefe do Governo espanhol terá dito ao "número dois" do Departamento de Estado que estavam a ser tomadas "precauções apropriadas" para impedir que "o que está a suceder em Portugal se estenda para o outro lado da fronteira espanhola". No seu telegrama para Kissinger, Ingersoll explica que Arias "está convencido de que a Espanha deve democratizar-se e abrir as suas portas a uma maior participação política popular", mas a experiência do general Spínola convenceu-o de que "não devemos subir nem descer uma colina demasiado depressa".Campainhas de alarmeO historiador Luís Nuno Rodrigues, especialista nas relações luso-americanas, confirma que estes documentos não eram conhecidos até agora, mas aconselha prudência na leitura do seu conteúdo. As declarações de Arias "são proferidas num contexto de negociações para a continuação das bases norte-americanas em Espanha e são momentos geralmente tensos, em que pode haver uma certa radicalização da linguagem". Sublinhando que não pode tirar con-clusões a partir daqueles excertos, considera, no entanto, "compreensível que a Espanha quisesse fazer soar as campainhas de alarme" relativamente à situação em Portugal, sobretudo depois do 11 de Março e do golpe falhado de Spínola. Mas lembra que "o combate anticomunista" podia ser feito por outros meios que não a intervenção militar - nomeadamente o apoio a estruturas de extrema-direita como o Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP, de Spínola) e o Exército de Libertação Português (ELP), que "beneficiaram de algumas facilidades de organização de circulação em território espanhol".Prudente é também a leitura feita pelo historiador António Costa Pin-to, especialista no Estado Novo: "Em 1975, Portugal já está sob grande escrutínio da Administração norte-americana, e seria impensável qualquer acção unilateral da parte de Espanha". Admite, por isso, que uma mensagem como a de Arias "não seja para tomar à letra", mas constitua um alerta aos EUA. Até porque, a poucos meses da morte de Franco (em Dezembro de 1975) "a ditadura espanhola não estava para aventureirismos desse género". O secretário de Estado Henry Kissinger terá participado num encontro com Franco sobre a situação em Portugal em 1975.
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