A 21 de Janeiro de 1976, uma quarta-feira, o secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, encontra-se, no Kremlin, com o líder soviético, Leonid Brejnev. Das 11:00 da manhã às 13:50, conversaram à volta da mesa, com extensas delegações, de parte a parte. O diálogo chegou a ser tenso, especialmente sobre a situação em Angola e o apoio soviético à intervenção cubana em Angola e ao MPLA de Agostinho Neto, um tema que se atravessou nas conversações sobre o acordo de limitação de armas estratégicas (SALT).
Em Portugal, a “revolução” perdera força depois do 25 de Novembro. Dois meses após a independência, o MPLA já governava, sozinho, e Brejnev aumentara o apoio ao recém-fundada, a 11 de Novembro de 1975, República Popular de Angola, incluindo cedência de aviões de transporte para as forças cubanas, o que era considerado uma provocação em Washington. (1) É neste contexto que surge o desabafo de Leonid Brejnev a meio das conversações com Kissinger nessa manhã de 21 de Janeiro de 1976 sobre a situação portuguesa que entretanto acalmara após o 25 de Novembro de 1975.
Na conversa, Kissinger advertia Brejnev que seria “intolerável” um intervenção de uma país ocidental em África e que o apoio da União Soviética à intervenção cubana em Angola abria “um precedente” que os Estados Unidos tinha de analisar, podem originar uma “cadeia de reacções com potenciais resultados desastrosos”.
Em Portugal, a “revolução” perdera força depois do 25 de Novembro. Dois meses após a independência, o MPLA já governava, sozinho, e Brejnev aumentara o apoio ao recém-fundada, a 11 de Novembro de 1975, República Popular de Angola, incluindo cedência de aviões de transporte para as forças cubanas, o que era considerado uma provocação em Washington. (1) É neste contexto que surge o desabafo de Leonid Brejnev a meio das conversações com Kissinger nessa manhã de 21 de Janeiro de 1976 sobre a situação portuguesa que entretanto acalmara após o 25 de Novembro de 1975.
Na conversa, Kissinger advertia Brejnev que seria “intolerável” um intervenção de uma país ocidental em África e que o apoio da União Soviética à intervenção cubana em Angola abria “um precedente” que os Estados Unidos tinha de analisar, podem originar uma “cadeia de reacções com potenciais resultados desastrosos”.
Leonid Brejnev: Está a falar, de alguma maneira, na ameaça de surgir uma guerra.
Henry Kissinger:. Não é uma ameaça de guerra, sr. secretário-geral. Mas se todos os países se comportarem assim, pode evoluir-se para uma situação muito perigosa.
Brejnev: Penso que temos de concentrar-nos primeiro na discussão do acordo SALT. Se continuarmos a falar de outros assuntos, não conseguimos nada.
Estava eu muito descansado quando de repente ouvimos falar dos acontecimentos em Portugal [o 25 de Abril], de que nada sabíamos. Depois, oiço dizer que [o presidente] Costa Gomes quer visitar a União Soviética. Recebi-o. Pode ler o comunicado conjunto. Prometemos-lhe comércio. E depois? Temos [acordos de] comércio com muitos países. E quanto ao líder do Partido Comunista – Álvaro Cunhal – nunca lhe pus a vista em cima em toda a minha vida.
Depois surge a situação em Angola, com a independência de Portugal. [Agostinho] Neto aproxima-se de Cuba (…), Cuba concorda ajudar [os angolanos]. Não há qualquer presença militar soviética em Angola.
(…)
Estamos aqui para discutir o acordo SALT? Ou Angola? (…) Nós não queremos nada de Angola. No entanto, o mundo inteiro lê na imprensa internacional que o Ocidente, a América, está a enviar armas e mercenários para Angola. O senhor dirige todas as atenções para aí. Eu nunca estive em Portugal; nós não somos responsáveis pelo que lá está a passar-se…” (2)
As referências a Portugal acabam aqui. Das palavras de Brejnev há algumas interpretações a tirar. A primeira, é que os soviéticos queriam tudo menos ser associados à experiência portuguesa, que poderia tornar-se num empecilho para a détente. E, sendo certo que não conhecia Cunhal, o facto é que as relações do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) com os partidos comunistas ocidentais estavam a cargo de Mikhail Suslov, ideólogo e membro do Politburo e velho conhecido de Cunhal desde os anos 50, após o reatamento das relações do PCP com Moscovo.
Já quanto à questão do acordo de comércio entre Portugal e a União Soviética, levantada pelo líder soviético, essa era uma preocupação dos diplomatas, como o embaixador norte-americano em Moscovo, Walter Stoessel. Face ao cenário de “vazio económico” em Portugal, não seria de “afastar essa hipótese de a União Soviética vir a prestar apoio económico a Portugal”, concluiu o diplomata norte-americano num telegrama para o Departamento de Estado, após um encontro, a 01 de Abril de 1975, com o embaixador português na capital soviética, Mário Neves. (3)
(1) BURR, William, “The Kissinger Transcripts – The Top-Secret Talks with Beijing and Moscow”, The New Press, New York, 1998.
(2) Memorandum of conversation, January 21, 1976, Brezhnev, Kissinger, “SALT, Angola”, State Department Freedom of Information Release (copy at National Security Archive)
(3) Telegram 04445, 01 Apr, 1975, American Embassy Moscow to Department of State, “Talk with Portuguese Ambassador to Moscow”, State Department, National Archives,
Henry Kissinger:. Não é uma ameaça de guerra, sr. secretário-geral. Mas se todos os países se comportarem assim, pode evoluir-se para uma situação muito perigosa.
Brejnev: Penso que temos de concentrar-nos primeiro na discussão do acordo SALT. Se continuarmos a falar de outros assuntos, não conseguimos nada.
Estava eu muito descansado quando de repente ouvimos falar dos acontecimentos em Portugal [o 25 de Abril], de que nada sabíamos. Depois, oiço dizer que [o presidente] Costa Gomes quer visitar a União Soviética. Recebi-o. Pode ler o comunicado conjunto. Prometemos-lhe comércio. E depois? Temos [acordos de] comércio com muitos países. E quanto ao líder do Partido Comunista – Álvaro Cunhal – nunca lhe pus a vista em cima em toda a minha vida.
Depois surge a situação em Angola, com a independência de Portugal. [Agostinho] Neto aproxima-se de Cuba (…), Cuba concorda ajudar [os angolanos]. Não há qualquer presença militar soviética em Angola.
(…)
Estamos aqui para discutir o acordo SALT? Ou Angola? (…) Nós não queremos nada de Angola. No entanto, o mundo inteiro lê na imprensa internacional que o Ocidente, a América, está a enviar armas e mercenários para Angola. O senhor dirige todas as atenções para aí. Eu nunca estive em Portugal; nós não somos responsáveis pelo que lá está a passar-se…” (2)
As referências a Portugal acabam aqui. Das palavras de Brejnev há algumas interpretações a tirar. A primeira, é que os soviéticos queriam tudo menos ser associados à experiência portuguesa, que poderia tornar-se num empecilho para a détente. E, sendo certo que não conhecia Cunhal, o facto é que as relações do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) com os partidos comunistas ocidentais estavam a cargo de Mikhail Suslov, ideólogo e membro do Politburo e velho conhecido de Cunhal desde os anos 50, após o reatamento das relações do PCP com Moscovo.
Já quanto à questão do acordo de comércio entre Portugal e a União Soviética, levantada pelo líder soviético, essa era uma preocupação dos diplomatas, como o embaixador norte-americano em Moscovo, Walter Stoessel. Face ao cenário de “vazio económico” em Portugal, não seria de “afastar essa hipótese de a União Soviética vir a prestar apoio económico a Portugal”, concluiu o diplomata norte-americano num telegrama para o Departamento de Estado, após um encontro, a 01 de Abril de 1975, com o embaixador português na capital soviética, Mário Neves. (3)
(1) BURR, William, “The Kissinger Transcripts – The Top-Secret Talks with Beijing and Moscow”, The New Press, New York, 1998.
(2) Memorandum of conversation, January 21, 1976, Brezhnev, Kissinger, “SALT, Angola”, State Department Freedom of Information Release (copy at National Security Archive)
(3) Telegram 04445, 01 Apr, 1975, American Embassy Moscow to Department of State, “Talk with Portuguese Ambassador to Moscow”, State Department, National Archives,
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