Sunday, May 18, 2008

As relações atribuladas de Costa Gomes com os EUA


Um dos capítulos sobre Costa Gomes teve a sua inspiração neste artigo, publicado no DN a 1 de Agosto de 2005, numa série de artigos sobre o "Verão Quente". Esta foi resumidamente a conversa de Costa Gomes com Ford e Kissinger, que no livro surge mais desenvolvida e circinstanciada. No "post" seguinte, publico o cinzento comunicado conjunto emitido depois da reunião...

Costa Gomes quis sossegar os EUA

O general Costa Gomes foi, no Verão Quente de 1975, um aliado tácito dos Estados Unidos, apesar das desconfianças, tanto do embaixador norte-americano em Lisboa Frank Carlucci como do próprio secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, com quem o então Presidente se reuniu a 18 de Outubro de 1974. O memorando dessa conversa, na Sala Oval da Casa Branca, foi desclassificado este ano pela Gerald Ford Library, nos EUA, e revela como o general tentou convencer a administração norte-americana de que haveria poucos riscos da formação de um "governo predominantemente comunista" - tese que manteve durante anos a fio. E começou por apresentar-se como "admirador especial dos Estados Unidos", já que estivera colocado dois anos na base da NATO de Norfolk... Aproveitando para "clarificar" o que se passava então no País, o general explicou ao presidente Gerald Ford e a Henry Kissinger a "profunda e súbita" transformação de Portugal, que deixou de ser uma ditadura para "voltar a conquistar a liberdade". Garantindo o empenhamento "do Governo, das Forças Armadas" no estabelecimento de um regime "democrático, com liberdade para todos", a sua fidelidade aos compromissos internacionais e à NATO. A seguir, falou dos problemas do País. Da descolonização. Da crise económica, "um problema muito sério". "Se não for resolvido, pode levar à vitória da extrema-direita ou da extrema-esquerda", aler- tou Costa Gomes. E é depois que dá explicações sobre a influência dos comunistas em Portugal e no Governo. O encontro de Costa Gomes na Casa Branca, recorde-se, ocorreu depois do 28 de Setembro e da tentativa de "golpe" de Spínola, que renunciou ao cargo de Presidente da República com um discurso pessimista sobre o País. Na Sala Oval, o presidente tentou convencer Ford e Kissinger do "grande sentimento anticomunista dos portugueses". "A maior parte da população vive no Norte, onde a influência dos comunistas é nula", garantiu, descrente de eventuais hegemonias dos comunistas. O mesmo argumento, ironicamente, ouviu-o do líder soviético, Leonid Brejnev, na visita que fez, em 1975, a Moscovo, aconselhando-o a não "mudar de regime"... Gerald Ford interrompe, algumas vezes faz perguntas e diz que, para Washington, é importante que Portugal faça "reformas democráticas", a começar pelas eleições. Resposta do general "É muito importante para nós - um ponto de honra -- que as eleições vão para a frente." Antevendo, desde logo, que "os comunistas, nas urnas, não iriam ter a força que muitos receiam." [Nas eleições para a Constituinte tiveram 12,5% dos votos].A conversa com Gerald Ford estava quase no fim. Seguiu-se o famoso almoço em que Kissinger comparou Mário Soares a Kerensky. O diálogo entre o presidente português e Henry Kissinger foi tenso a propósito do papel dos militares na "revolução" portuguesa, como lembra Costa Gomes no livro "O Último Marechal". Apesar da tensão, os Estados Unidos da América consideravam o presidente um aliado, a quem confiavam, em exclusivo, o tratamento de assuntos sensíveis da NATO. A desconfiança era muita, a ponto de Gerald Ford, numa reunião do governo, a 4 de Junho de 1975, ter dito que os Estados Unidos receavam que Portugal quisesse continuar na Aliança Atlântica para "servir os interesses dos comunistas"...

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