O PREC visto pelos olhos do «amigo americano» vencedor
«NÃO TRAZ grandes novidades!», sentenciou José Pacheco Pereira, na apresentação do livro Portugal Classificado. Nem por isso o historiador poupou elogios à obra de Nuno Simas, editada pela Alêtheia. Por paradoxal que pareça, tem toda a razão - nos elogios e na sentença. É que a constatação de Pacheco, como o próprio reconheceu então, está longe de constituir o apontar de um defeito. Ao contrário: a grande qualidade do trabalho de Simas, passado a escrito após sete anos de pesquisa, consiste em confirmar, através do recurso a documentos de autenticidade insofismável, a natureza da posição do Governo dos Estados Unidos da América (EUA) sobre Portugal, entre 1973 e 1975. Uma posição tanto mais importante quanto, apesar de todos os erros de cálculo, os norte-americanos não podem deixar de ser colocados entre os vencedores da «revolução» portuguesa. É verdade, como o livro comprova, que os EUA não só não previram o próprio 25 de Abril de 74, como, para utilizar uma expressão de António José Teixeira, no prefácio da obra, foram apanhados «às escuras» pelos seus preparativos. Em Dezembro de 1973, ainda se escrevia num relatório da embaixada americana em Lisboa: «É improvável que se registe instabilidade séria nos próximos meses.» As previsões desastrosas continuaram durante muito tempo. «Em Novembro de 1974, Kissinger foi muito claro quanto às previsões para o futuro do país quando disse a Mário Soares: ‘Quando um país tem um presidente Costa Gomes e um primeiro-ministro Vasco Gonçalves dominados pelo Partido Comunista; quando as forças armadas estão sob o domínio comunista; e quando a comunicação social se encontra dominada, a situação é irreversível’.» O certo é que, apesar de tamanhos erros de análise, os EUA vão revelar uma enorme capacidade de recuperação. Em Janeiro de 75, substituem o embaixador Stuart Scott por Frank Carlucci. Este, mesmo se isso o leva a entrar em frequentes contradições com o centro do poder, em Washington, abandona Spínola à sua sorte, neutraliza Costa Gomes, isola Vasco Gonçalves e Otelo, rejeita qualquer intervenção armada, pressiona com o afastamento de Portugal da NATO e aposta tudo no PPD, no PS e no «grupo dos nove». A 26 de Novembro pode escrever a Henry Kissinger: «A operação de ontem à noite é portuguesa. Se nos associarmos a esta operação isso só pode fragilizar os moderados e prejudicar os seus esforços de capitalizar com os acontecimentos.» Nuno Simas tem a enorme virtude de colocar, com a autoridade que confere a posse de cópias de mais de mil documentos, afirmações como esta na boca dos próprios. O que só é possível porque, como afirmou outro jornalista, Pedro Correia (no blogue «Corta-Fitas»), «o Nuno é um excelente praticante de uma modalidade infelizmente quase extinta: o jornalismo de investigação».João Mesquita
NUNO SIMAS
Portugal Classificado
Alêtheia, 2008, 306 págs., €18
(Recensão do Expresso, sem "link", copiada à "mão")
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